50 anos da morte de padre Pedro Calandri são celebrados em Moçambique

Padre Pedro foi o primeiro missionário da Consolata no Niassa. Faleceu em 12 de agosto de 1967.

Por Diamantino Guapo Antunes

Foi com carinho e solenidade que católicos e muçulmanos do Niassa celebraram em Massangulo os 50 anos da morte do Padre Pedro Calandri. Foi o primeiro missionário da Consolata em Moçambique e o pioneiro da evangelização do Niassa, no norte de Moçambique. Faleceu em 12 de Agosto de 1967 com 74 anos de idade e vivera uma longa vida missionária, dedicada quase inteiramente ao serviço da evangelização do povo Ayao e à educação da juventude.

O seu funeral e sepultura, em Massangulo, missão por ele fundada em 1928, foram a expressão eloquente do quanto era considerado e amado por todos, a ele acorreu uma multidão reconhecida pelo tanto que fez este homem de bem.

Entre os Ayao muçulmanos do Niassa, ganhou um nome: “Bwana Cilimba” que significa “homem forte de coração e que aguenta com tudo”. É esse por ventura o título mais ajustado para este grande missionário da Consolata, cuja memória é viva e fecunda no Niassa.

Padre Pedro Calandri também é conhecido no Brasil. Foi o braço direito do Padre João Baptista Bisio no início da presença dos Missionários da Consolata no Brasil. Entre 1936 e 1940, num breve parêntesis da sua missão em Moçambique, trabalhou na Paróquia de São Manuel onde deixou uma grata recordação e uma importante obra pastoral e artística.

Ingresso nos missionários da Consolata

Pietro Calandri 01Nasceu no dia 5 de Julho de 1893 em Moretta-Cuneo, no norte de Itália. Desde cedo evidenciou curiosidade e um temperamento disciplinado e determinado. Inteligente, desenvolveu um notável sentido de observação que o foram moldando no artista que mais tarde se veio a revelar. O sonho de uma vida de dedicação e aventura levaram a que o jovem Calandri revelasse interesse por ser missionário o que se concretiza em 1911, quando ingressa no Instituto Missões Consolata. Concluída a sua formação é ordenado sacerdote no dia 3 de Fevereiro de 1917. Permanecerá ainda em Itália, alimentando o sonho da partida para terras distantes. O seu sonho concretiza-se 3 anos depois quando em 1920 é enviado para África. O Quénia é a sua primeira terra de missão ad gentes e aí permanece 5 anos adquirindo experiência, reforçando a sua formação e forjando o sentido prático que lhe viria a ser tão útil no futuro.

Pioneiro em Moçambique

Em 1925 o jovem missionário conhece uma nova destinação. Outro país de África se perfila no horizonte: Moçambique.

Desembarca no porto da Beira em Junho de 1926, incumbido da difícil tarefa de desbravar terreno num vasto território, o Niassa, onde ainda nenhum missionário católico tinha entrado. Não irá sozinho. Acompanha-o o Padre José Amiotti.

Calandri e Amiotti iniciam então uma grande aventura por terras desconhecidas, num tempo onde as comunicações eram quase inexistentes e a ausência de estradas e meios de locomoção tornavam tudo mais isolado e difícil.

Os dois jovens missionários foram os primeiros missionários católicos, a entrar no Niassa e fixaram residência em Mandimba a 5 de Julho de 1926. Durante cerca de 2 anos a primeira preocupação foi a inserção no meio ambiente e social da região.

Para melhor o conseguir dedicaram-se à aprendizagem da língua ciyao e procuraram conhecer os usos e costumes do povo, exercício a que se dedicaram com afinco e gosto à medida que crescia neles o amor pelas gentes e pela terra. O tempo de permanência em Mandimba foi de estudo, preparação e delineamento de estratégias.

Um estrategista da missão

Após a tarefa de observação e estudo, Padre Calandri escolhe no sopé do Monte Massangulo o terreno adapto para a sede da Missão. Aí, em pleno Niassa, em Maio de 1928 funda a Missão de Nossa Senhora da Consolata de Massangulo.

Homem metódico, o padre Calandri não abranda o ritmo. Empreendedor, começa por traçar um mapa preciso da região de Massangulo onde iria desenvolver a sua actividade. Depressa se entregou ao planeamento das tarefas a empreender de modo a estabelecer as estruturas de base da missão: arroteamento do espaço; plantação das primeiras árvores; abertura de caminhos; construção de casas. Visionário, projectou e construiu os lugares de habitação e de serviços essenciais a um desenvolvimento estruturado e integrado: internatos, escolas, oficinas, moagem, posto de saúde e maternidade.

Usou os recursos naturais naturais para as construções utilizando o barro para a produção de tijolos e de telha. Através de um engenhoso sistema de canais captou a água da nascente do monte Massangulo para a missão, conseguindo assim um recurso essencial para todas as empreitadas que idealizara e que se empenhava em concretizar. Investiu na agricultura e na criação de gado, nas oficinas de serralharia, carpintaria e sapataria, para autossustento e comércio mas também na tipografia e na encadernação.

Envolveu em todas as tarefas a população e os alunos da missão integrando-os nos trabalhos e formando-as para que pudessem ser autônomos e ousassem sonhar uma vida diferente e mais capacitada.

Valeu-se sempre da colaboração de outros missionários: os Padres Angelo Lunati e Luís Wegher e os Irmãos José Benedetto, Lorenço Baroffio e Hugo Versino; do apoio das Irmãs Missionárias da Consolata e da contribuição de catequistas.

Diálogo e colaboração com os muçulmanos

Nos primeiros tempos, nem tudo foi fácil. Quando da fundação da missão de Massangulo, o padre pedrocalandri2Calandri e seus companheiros experimentaram a adversidade dos muçulmanos Ayao, que não queriam entre eles outra religião.

Paciente soube suportar, esses primeiros anos de atitude hostil da população face à missão e aos missionários. A diplomacia e a atividade desenvolvida pelos missionários, de proximidade e ajuda foram pouco a pouco produzindo frutos. A adversidade deu lugar a uma boa relação e à colaboração entre todos.

Grande mérito teve o padre Calandri para que se estabelecesse este clima de bom entendimento e respeito que ainda hoje perdura. Foram múltiplos os gestos de estima recíproca, vividos em diversas situações: a defesa da população contra a cultura forçada do algodão; o acolhimento na missão da população perseguida pelos militares portugueses durante a guerra pela libertação de Moçambique do regime colonial; as visitas às mesquitas; a participação em festas comuns. Apesar das conversões de muçulmanos serem raras, o padre Calandri respeitou sempre essa opção sem impor a conversão ao catolicismo.

 Uma vida missionária fecunda

Aproveitando as poucas e raras oportunidades para evangelizar a população Ayao islamizada, Pedro Calandri nunca desiste e lança os fundamentos para uma pastoral de evangelização. Alguns jovens de famílias muçulmanas Ayao aceitaram, depois da autorização das suas famílias, receber o Batismo, sem dúvida que para tal terá também contribuído a autoridade moral do padre Calandri e a excelente educação dada nas escolas da missão.

Pacientemente a comunidade cristã foi crescendo. Formaram-se as primeiras famílias cristãs a partir dos alunos formados nos internatos.

Homem de ação lançando mão aos meios exíguos, dotou a sede da missão de Massangulo com um conjunto de edifícios tão imponentes nas suas dimensões como importantes nas perspectivas pastorais que lhes estavam subjacentes. Homem de ciência e de letras, ao fim de poucos anos de estadia no Niassa, sem desmerecer do trabalho que lhe fora confiado, o padre Calandri compôs um dicionário e uma gramática da língua Ciyao.

O estudo, o diálogo e a pregação na língua local aproximavam-no das populações e reforçavam a empatia. Este enraizamento na cultura do povo adotado teve por consequência inevitável a adoção do missionário entre os Ayaos.

Homem de elevada sensibilidade e sentido estético, planeou e dirigiu a obra da imponente e belíssima igreja dedicada a Nossa Senhora da Consolata, hoje Santuário Diocesano de Massangulo. Demorou 10 anos a construir e contou com o exímio trabalho de arquitetura exterior e interior, produzido localmente, com recurso à sua oficina de artes. Esta extraordinária igreja causa ainda hoje deslumbre a quem a contempla. Foi benzida a 3 de Janeiro de 1964 pelo primeiro pelo bispo da diocese, D. Eurico Dias Nogueira, no seu primeiro ato público.

Numa das capelas laterais do imponente santuário está sepultado o corpo do padre Calandri e ali espera a glória da ressurreição.

Diamantino Guapo Antunes, imc, é Superior Regional em Moçambique.