Norberto Louro *
O Allamano tem a profunda convicção fundada numa profunda experiência vivencial de que Maria é a inspiradora do nosso sermos missionários da Consolata “nossa afectuosíssima mãe que nos ama como a pupila dos seus olhos”.
A espiritualidade e devoção à Consolata têm um âmbito histórico-geográfico (Turim). Este âmbito histórico tem também características culturais próprias do local onde nasceu. Não é este âmbito que se exporta para o resto do mundo, pois faz parte de um património de uma região específica do planeta. Mas o nosso fundador soube ultrapassar as contingências históricas e soube dar ao título Consolata um sentido universal, aberto a todas as culturas do mundo. Ele soube ver em Maria a expressão materna da ternura misericordiosa e compassiva de Deus para com todos. O Allamano fez disso experiência pessoal na devoção que sempre cultivou por Maria, constatou e soube colher esta expressão durante os mais de 40 anos em que viu Maria lidar com as pessoas e transformar os corações dos que acorriam ao seu Santuário e, iluminado por Deus, achou que, a uma riqueza tão grande era imperativo dar uma forma e uma expressão universal, fundando o Instituto em que “o ministério da Consolação faz parte do nosso carisma e da nossa identidade”. E, “Com Ela e como Ela, levar ao mundo a verdadeira Consolação, Cristo Senhor”. (X Cap. G. pág. 2O). Como acontecia em Turim.
Fazer tudo com Maria
A experiência vocacional de Maria foi fundamental na experiência vocacional do Allamano e na sua experiência pastoral no santuário da Consolata Toda a sua vida e actividade foram iluminadas e marcadas pelas atitudes de Maria ao ponto de entre os dois se poder constatar uma coincidência no que é expressão de atitudes de vida e fecundidade geradora. “Minha mãe e meus irmãos são aqueles que (como Maria), ouvem a Palavra de Deus e a põem em prática”. (Mc. 3,34-35). “Procurei fazer sempre a vontade de Deus”; “Fazer tudo com Maria: tomá-la como nosso modelo em todas as acções e agir como Ela faria”. (Allamano)
Maria levou o Allamano para sua casa, para o seu santuário e com Ela ele estabeleceu relações como as que intercorrem entre mestre e discípulo, num diálogo profundo de amor, de devoção concreta, de vida.
As suas palavras deixam entrever um recurso constante a Maria: “O amor dos filhos é por sua natureza terno; É preciso recorrer a Ela durante o dia, mesmo como se faz com a mãe”. Mas mais do que as palavras nos fala a sua vida, marcada coerentemente por atitudes que a testemunham a Ela.
A ‘Fundadora’ é Ela
Considerá-la e propô-la como Fundadora vai muito além de palavras de deferência. Está a indicar uma convicção, uma certeza de que a obra derivou d’Ela através dele que com Ela entrou em sintonia perfeita. Como Maria ele escutou, acolheu e guardou a palavra.
Antes de fundar o Instituto (depois de para isso ter tido a intuição e sentido a inspiração) por muito tempo se certificar da vontade de Deus, ele, que era considerado por lodos como o homem de olhar penetrante e procurado como exímio director te almas e de vidas, aconselhava-se, procurava ajuda, modelos de vida missionária, lia, escrevia, confrontava a sua ideia tom experiências de outros e conservava cuidadosamente todas estas coisas, todos os acontecimentos e os meditava profundamente na seu coração, mesmo quando estavam em contraste com o seu projecto que pressentia ser o projecto de Deus para ele. Como Maria.
Como Maria também ele ia procurando entender sem entender os processos de Deus que ele estava convencido de ouvir e seguir mas que parecia travar-lhe o caminho.
A Maria foi pedido gradualmente que se desprendesse da posse de seu Filho. “Filho, porque nos fizeste isto?”. “Não sabeis que tenho que me dedicar às coisas de meu Pai”; “Quem é minha mãe e quem são meus irmãos…?”; “Bem-aventurados antes aqueles que…”. Até ao aparente destaque e perda total de seu Filho na Cruz. Mas Maria aceitou, de pé, o desafio de Deus a quem se dera sem reservas nem condições.
Ao Allamano com a vinda para Turim do Cardeal Agostinho Richelmi e com aprovação por parte dele da fundação do Instituto, todos os caminhos pareciam escancarados. Eis senão quando entra em campo a pedagogia de Deus que se serve das criaturas frágeis para indicar que é Ele que está no começo das grandes obras. A doença leva às portas da morte aquele que parecia insubstituível porque talvez o único convencido até ao fundo da fundação praticamente já aprovada. Como Maria, a doença apanhou-o pronto a interpretar os processos de Deus. Com o mais desconcertante desprendimento, fruto de apurada e prolongada purificação, responde ao cardeal que o viera visitar rio leito de morte iminente e lhe perguntara o que ia ser da fundação: “Eminência, Outro o fará!”. E à réplica pronta do seu bispo que parecia impor-lhe que tinha que ser ele, obediente até ao extremo como era aceitou o desafio. Se assim é, segundo as tuas palavras, lançarei as redes”.
E foi da aceitação de despojamento radical de Maria do Seu Filho que nasceu a Igreja: “Eis aí teu Filho”. E foi da aceitação radical de poder vir a não ser fundador que nasceu a cura e o Instituto. O Allamano compreendeu isso muito bem e por isso disse: a Fundadora É Ela!
A metodologia missionária de Allamano
O Allamano deu carne à palavra, como Maria, fundando o Instituto; A palavra foi o seu alimento. Vivia a Palavra. “Procurei sempre fazer a vontade de Deu”’ era o que ele dizia no final da sua vida. “A Sagrada Escritura é o nosso livro, o principal estudo… não só saber que aquele livro é divino, íntegro mas saboreá-lo, ler um pouco cada dia, fazer dele nutrimento espiritual”. E Maria disse: “Faça-se em mim segundo a tua palavra”.
Foi testemunho visível e credível da palavra. “Eis a serva do Senhor”. Se é assim, lançarei as redes!”. Enviou por todo o mundo os seus missionários para “anunciar a glória de Deus (de Maria) a todos os povos”. “Todas as gerações me chamarão bem aventurada”.
Tal como Maria partiu ao encontro de Isabel para lhe apresentar Cristo, também o Allamano fez das visitas às aldeias dos homens parte essencial da sua metodologia missionária. Visitar as pessoas nas suas realidades e situações concretas. Essas visitas deviam ser diárias, realizadas com espírito de hóspedes e não de patrões. Pequenos com os pequenos. Para mostrar a diferença entre o colonizador e o evangelizador. Aprender a cultura, respeitá-la, encarnar nela Cristo; não ter pressa em condenar aquilo que não compreendiam. É o encontro com Cristo que deve purificar a cultura. Nada de arrogância ou complexos de superioridade. Levar os meios que ajudam os irmãos a realizar a sua própria libertação. Elevando o ambiente, mais tarde compreenderão.
O conteúdo destas visitas era preparado e, à noite, partilhava-se o seu resultado e programava-se a seguinte. Um método este que reservava algumas interessantes e agradáveis surpresas e, não obstante a canseira, provocava uma não indiferente alegria pela aprendizagem da língua e da cultura, pelas curas dos doentes que faziam granjear a confiança e a estima do povo, pela aprendizagem das primeiras fórmulas e enunciados da fé. A mesma alegria que a visita a Isabel provocou em Maria e a fez proclamar o Magnificat. A mesma alegria que estas visitas provocaram no Allamano ao aprovar o programa saído da conferência de Muranga que continha este método tão válido ainda hoje e que provoca em quem o faz com o espírito que o AlIamano incutiu a mesma alegria que é o primeiro fruto da Evangelização. Assim sucedeu de facto aos setenta e dois.
Tudo isto devia ser feito numa atitude de fé de quem leva consigo Cristo para o testemunhar com a vida diária, que é aquilo que s distingue e nos anima. O fundador deixou-nos este espírito, e pede-nos que recebamos este espírito que Isabel descobriu em Maria e, por isso lhe disse: “Feliz de ti porque acreditaste!”.
Allamano: “O Espírito sou eu que vo-lo dou”.
Como Maria, e guiado por Maria, meteu-se na sequela de Cristo para se identificar com Ele nas palavras, nas atitudes, na missão e como Ele partir ao encontro dos homens, pobre, casto, obediente. Assumiu em pleno o grande dom de Jesus sobre a Cruz: “Eis a tua Mãe! “.
O AlIamano deixou-nos o seu espírito: “O Espírito sou eu que vo-lo dou”. O espírito Mariano, materno, porque “o bem faz-se bem” e isso é apanágio das mães. Mandou-nos assumir o, “espírito de…” isto é, deixar-se penetrar por uma realidade que sustenta e nobilita tudo. E sabor como o sal para a comida. É profundidade, é intensidade. Espírito de pobreza: “Eis a serva do Senhor”. Espírito de obediência: “Faça-se”. Espírito de sacrifício: “Perto da Cruz de Jesus permanecia de pé sua Mãe”. Espírito de oração: “Estavam todos reunidos com Maria”. Espírito de silencio: “Meditando no seu coração”.
Espírito de Fé: “Feliz de Ti, porque acreditaste”. Espírito de trabalho: “Fez em mim grandes coisas”. Espírito de família: “Maria dirigiu-se apressada mente à casa de Zacarias e saudou Isabel”. Espírito de desapego: “Olhou para a humilhação da sua serva”. Espírito de caridade: “Maria ficou com Isabel mais ou menos três meses”. Espírito de mansidão: “Seu nome é Santo e a sua misericórdia perdura de geração em geração”. O Espírito que o Allamano nos diz que assumamos é o mesmo de Maria como transparece do magnificat, manifestação dos sentimentos mais profundos que lhe iam na alma. Tudo isto para dar tudo, para poder consolar a lodos como ele fez. “Dei-vos tudo”, dando-nos o espírito de Maria! “Não têm vinho!” ou seja: aquele espírito novo que seu Filho viera trazer à terra.
Recordando isto, o Xº cap. Geral, falando da Consolata diz-nos: “Com Maria e como ela levamos ao mundo a verdadeira consolação, Jesus Cristo. O ministério da consolação é parte do nosso carisma e da nossa identidade. A Consolata para nós é mais do que uma devoção ou um título. Inspira o modo de actuar o nosso carisma. Na tradição proveniente do fundador, levar o alegre anúncio do Evangelho é procurar o bem-estar e a felicidade das pessoas, libertá-las de toda a tristeza e sofrimento, do medo e da opressão. Fazemo-lo tendo Maria como modelo, sinal certo de consolação”. (crf. Cost. 70).