Congo Escola de Dignidade

Só o amor tem a força de criar maravilhas... (Silvio Rodríguez)

Por Andrés García Fernández

testemunho_Dezembro_CongoNós, missionários da Consolata, trabalhamos na República Democrática do Congo com o povo pigmeu, uma etnia minoritária, discriminada e deixada à margem da sociedade. Como instrumento de emancipação, nestes últimos anos criamos uma Escola Itinerante, que vai de encontro às crianças e suas comunidades, espalhadas na floresta.
A nossa presença em Bayenga deve-se à escolha que um grupo de missionários fez para acompanhar o povo pigmeu, submisso, humilhado e à margem de tudo. A nossa paróquia encontra-se a 23 km ao sul de Wamba e a 140 km da capital Alto Uele, no extremo nordeste do país. Se consultarmos o Google earth, notaremos que os núcleos habitados são na maioria de pigmeus, oriundos do lugar. Os outros, por exemplo: da tribo bantu vão chegando com seus padrões de vida diferentes, à procura de trabalho nas plantações da época. Terminadas estas, bantu e pigmeus procuram uma forma de sobreviver num ambiente que é pobre, mas, belíssimo. Os bantu dedicam-se à agricultura e a algum comércio e os pigmeus vivem dos frutos e produtos da floresta, e ganham um dinheirinho quando alguém os contrata para algum trabalho.

Minoria discriminada

testemunho_Dezembro_Congo2A relação entre os pigmeus e os bantu é vertical. Os bantu consideram os pigmeus como animais ou ‘quase humanos’, por causa do habitat em que vivem; por causa da sua pequena estatura, pela falta de higiene e pelo modo de se organizar. A falta de formação e as décadas de desprezo e marginalização sofridas reduziram quase à zero a autoestima e a dignidade dos pigmeus. Tanto é verdade que, às vezes, os próprios membros da tribo chamam seus familiares de ‘pigmeus’, como para responsabilizá-los pelo desprezo e hostilidades que sofrem por parte dos bantu. Assim, era urgente fazer alguma coisa para ajudá-los a criar a consciência da sua dignidade de seres humanos e filhos de Deus.
Foi com este objetivo que nasceu a ideia da Escola como instrumento de integração entre eles. Por mais de 30 anos a diocese de Wamba foi criando escolas, colocando juntos pigmeus e bantu. Porém, ouvindo os pigmeus que passaram por essas escolas e os que as frequentam atualmente, constatamos que a marginalização continuava. Frequentemente, as crianças bantu molestam as crianças dos pigmeus, comentando o seu modo de viver, provocando até reações violentas por parte de ambos os lados, e que depois, são resolvidas apenas com castigos. Um dos motivos do abandono escolar das crianças dos pigmeus era este; e em segundo lugar, vinha a falta de criatividade nas atividades educativas, pela falta de preparação dos professores.
Observando, então, o grande índice de crianças não alfabetizadas, e o desejo de alguns jovens e adultos de aprender a ler e escrever, iniciamos a “Escola Itinerante de Alfabetização”, com uma pedagogia criativa, simples e adaptada à cultura da tribo, que lhes permitisse aprender a ler e escrever enquanto brincassem e fortalecessem a sua dignidade, dando atenção ao relacionamento e partindo da valorização das crianças.

Os resultados são visíveis

Em grandes linhas, a Escola funciona em acampamentos. Procuramos um lugar aprazível, à sombra das árvores, pendurando uma tela com um número grande, uma letra, tudo ilustrado com desenhos significativos ao ambiente. Quando as crianças chegam, as acolhemos com cantos e música; cantos que elas já sabem de cor, e cujas palavras lembram que são pessoas amadas por Deus. Depois lhes apresentamos o que há na tela e aos poucos, as convidamos a descrever o que estão vendo. Vamos acompanhando suas respostas até chegar àquela letra, àquele número, ou àquela cor que queremos ensinar. Em pouco tempo toda a turma se reúne ao redor da tela-quadro. Depois, começa o diálogo que fazemos com elas em língua swahili e kidjombe que são as línguas maternas, convidando-as a tentar desenhar nas fichas o mesmo desenho que está na tela. Toda a turma, também os adultos presentes (porque agora os adultos também querem aprender) vão se envolvendo nas atividades. Corrigimos uma a uma as fichas, desenhando um coração ou uma estrela sorridente, pintamos o rosto deles com o número e a letra aprendida. Concluímos sempre com um biscoito e com um breve vídeo educativo ligado à lição estudada. Constatamos, com muita alegria, que os ‘acampamentos’ suscitam, em todos - nas crianças e adultos – o gosto de encontrar-se e de estreitar laços de amizade entre eles. E isto os estimula no desejo de querer aprender sempre mais.

Trabalho em equipe

O trabalho em equipe tem seu lado positivo. Nesta atividade somos sempre duas pessoas: eu padre e uma leiga missionária. A diferença de gênero e o papel diferente que exercemos, permite-nos dar a eles, de maneira diferente, o afeto, a segurança, a dignidade. Percebemos que o amor que dedicamos a eles os educa, os instrui e os recria...
Além da eficácia dos programas, queremos transmitir-lhes o amor que dá dignidade, regenera e transforma, revelando em cada um a face de Deus. Em poucos meses, já vemos neles um comportamento muito diferente em relação a nós, em relação à ‘Escola Itinerante’, entre eles e mesmo com a população bantu que os circunda. O nosso empenho é semear amor, vida, alegria, dignidade – é o que realiza o Reino de Deus. Nós semeamos... Outros colherão.
“Só o amor gera maravilhas; só o amor é capaz de transformar em milagre a própria lama” – assim cantava o cubano Silvio Rodríguez.

Andrés García Fernández, imc, é missionário na República Democrática do Congo.