Missão de paz

Missionário da Consolata, padre Gilberto Silva esteve em férias no Brasil e retornou para Taiwan, onde trabalha há quatro anos.

Por Maria Emerenciana Raia *

Padre Gilberto Silva está a quatro anos em Taiwan. De férias no Brasil, por dois meses, visitou a família em Manaus e Maranhão. Voltou para o país asiático no dia 21 de março de 2021. Em entrevista exclusiva a Missões, falou das alegrias e dificuldades na missão.

Quando você foi pra Taiwan, foi sua primeira missão após a ordenação. Quais eram suas expectativas?
Quando fui para Taiwan não sabia nada sobre o país, que idioma falava, qual era a cultura, não sabia nada. Escutei o nome e fui. A expectativa seria mais no campo da missão, de fazer uma boa missão, ajudar a equipe que se encontra no local, falar bem o idioma, conhecer a cultura e manejar toda a situação da missão, evangelização e vivência. Em relação ao país não tinha expectativa porque não conhecia nada. Conhecimento zero.

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Você deu seu sim...
São quatro anos agora em abril, cheguei a Taiwan no dia 6 de abril de 2017 e as expectativas foram cumpridas no conhecimento da equipe que estava lá, a vivência comunitária, passei dois anos estudando a língua, o mandarim e continua sendo difícil. A estrutura é muito diferente. Estrangeiro nunca termina de aprender. Mesmo os que estão lá há mais tempo, continuam estudando. Nunca se para de estudar. É um desafio muito grande. O idioma é difícil, mas não impede a missão. A cultura também é muito difícil. Um estrangeiro não consegue dominar completamente. Todos os missionários são estrangeiros e todos falam a mesma coisa. Acabamos conhecendo um pouco, gostamos de viver lá, mas, seremos sempre estrangeiros. No Brasil, um estrangeiro se apropria da cultura local, lá não. A pessoa nunca vai se adaptar. A cultura é muito diferente.

Você acha que ser missionário em uma cultura tão diferente requer um perfil? Acredita que foi escolhido por ter uma personalidade mais calma, um jeito de ser mais tranquilo?
Para ser missionário em Taiwan você tem que ter paciência. Não se faz nada rápido. São dois anos só para estudar a língua. Passei dois anos estudando, para começar a aprender a língua. Para começar a trabalhar na pastoral. Os meus primeiros dois anos foram só de estudo e convivência na paróquia, sem compromisso. Tem que ter paciência. Também com o povo. Não se convertem de uma hora para outra. É um plano de pastoral, de pedagogia, não adianta querer correr.

Você está voltando depois de quatro anos, primeiras férias. Você gostou de lá? Você está bem na sua missão?
Sim. Taiwan é assim, se você tem paciência, você fica em paz. As dificuldades são a língua e a cultura. Quem tem paciência supera isso. É uma missão difícil, ao mesmo tempo, os que vão pra lá, gostam. A vida é tranquila. Colaboramos no que podemos. Não tem muito que reclamar. Às vezes reclamamos, mas são coisas pequenas, que poderiam ocorrer em qualquer outro lugar.

Como foi o ano passado, com a pandemia?
Taiwan foi o primeiro país no qual apareceram casos, logo depois da China. Não teve mortos pela pandemia até agora. Não houve lockdown. A única coisa que fechou foram as igrejas. Escolas nunca fecharam. Comércio nunca fechou. Agora está tudo aberto. O governo controlou muito bem... fechou as fronteiras. Eu, quando chegar lá vou fazer um período de quarentena. Todos os que chegam fazem isso. A restrição é para quem entra e sai do país. Uma área que sofreu um pouco foi a turística. Fora isso, tudo perfeito, saúde, educação, economia...

O que diria para um jovem que quer ser missionário ou fazer missão?
A missão é um grande aprendizado para nós. Conhecer outra cultura, outro povo, só quem vive sabe valorizar. É uma experiência fantástica. Quando voltamos, é outra mentalidade. Como cristãos, a missão purifica nossa fé. Não vamos viver a nossa fé do jeito que fazíamos antes. O Evangelho nos desafia a sair, a partir. Todo Evangelho, a revelação de Deus é um chamado a partir. Pode ser geográfico ou não. É claro que nem todo missionário sai de seu país. Mas, o missionário geográfico é uma experiência bem mais profunda. Eu acho que todos deviam ir para a missão.

Você não ficou estressado lá? Você ficou mais paciente do que era?
Não. Pode ser estressante porque você quer aprender e não consegue. Mas o país é de muita paz. Não tem barulho, não tem muita correria. A cultura chinesa tem um ritmo muito forçado. Tem um ritmo muito puxado. Se você quiser chegar no mesmo nível deles, pode se estressar muito fácil. Os chineses têm um ritmo de trabalho mais forte que o nosso. Trabalham e estudam mais que nós. Eles não descansam. Eles fazem isso porque já nasceram fazendo assim. Eles fazem tudo sem correria. São organizados. Nós não vamos acompanhar esse ritmo deles. Não chegamos a esse nível, temos que saber qual é o nosso limite. Temos que ir com calma, no nosso ritmo, não no ritmo deles. No Brasil, deixamos tudo para a última hora. Eles não, eles fazem antes, não descansam. Nós descansamos, eles não. Eles produzem muito, mas devagar. São organizados. Têm tudo organizado, tudo calculado. Fazem tudo sem correria, porque fazem com antecedência. O que às vezes não fazemos, eles fazem antes. Eles não descansam, eles fazem antes. Nós descansamos e depois corremos.

O que você acha que aconteceu no Brasil? Como você analisa o Brasil de agora? Foi influenciado pelos quatro anos de Taiwan?
Tudo muito diferente. A lógica de fazer as coisas, de organizar, tudo diferente. Sim, claro, vemos porque eles alcançaram tantas coisas e nos não conseguimos. A disciplina deles é tudo. Tanto pessoal, como sociedade. Eles passam toda a infância e juventude estudando. Todos estudam. Aos 20 anos estão formados, aos 25 são especialistas. Aos 30 são doutores. É uma sociedade que privilegia a educação. A educação está em primeiro lugar. Os professores são as maiores autoridades no país. Mesmo quando se aposentam continuam sendo autoridades.

E as mulheres? A sociedade é machista?
A mulher trabalha igual ao homem no mundo chinês. Não fica dentro de casa. Toda mulher trabalha. Não é a mãe que fica com os filhos. Eles ficam na escola. Quem cuida dos filhos é o governo. A educação é paga. O homem e a mulher trabalham, enquanto os filhos ficam na escola. As mulheres não têm dupla jornada. Todas as mulheres têm que estudar e ser profissionais. Todos estudam o tempo necessário e depois vão trabalhar.

A família está reduzida no sentido de poucos filhos...
Sim... não querem muitos filhos porque todos trabalham. A mulher tem que trabalhar todos os dias, então quem vai cuidar dos filhos?

Tem trabalho para todo mundo?
Tem.

Não tem pobreza?
Não. Todo mundo tem sua profissão, seu trabalho. Ninguém depende de ninguém, o taionês é independente.

Não existem escolas publicas?
Não, tudo é pago. Tem escolas em que o governo colabora, e tem universidades que são mais cara ou outras que são mais baratas.

E a saúde?
Também é paga. Todos têm plano de saúde. Todo mundo é obrigado a ter um plano de saúde. O estrangeiro também. Cada um tem um médico, com quem se identifica. É uma medicina preventiva, porque cada um tem seu médico. O médico acompanha e mesmo que não tenha nada, você passa por ele. O médico marca e pelo menos de seis em seis meses, você vai lá, nem que seja para conversar. Não precisa ficar telefonando para marcar. É um sistema que funciona. E um pouco caro, mas funciona. Qualquer coisa que tiver, os médicos vão analisar e resolver. Se for o caso de uma cirurgia delicada, vai demorar um pouco mais, vão analisar. Em qualquer lugar você é atendido tendo um plano de saúde.

Quem frequenta as celebrações eucarísticas? Se trabalham tanto...
A maioria que frequenta é aposentada. Quando estão trabalhando não vão muito à igreja.

E os jovens?
Muito pouco, porque os jovens moram nas universidades. Nem em casa vão. Trabalho vocacional é difícil, porque todos trabalham muito... Vocações são tardias. Com menos de 30 anos não frequentam igreja. Só trabalham. A família não permite. Primeiro tem que estudar.

E a aposentadoria?
Alguns profissionais se aposentam, médicos e professores, por exemplo. Profissões mais reconhecidas. Eles pagam plano de previdência privada a vida toda. Só aposenta quem tem profissões reconhecidas. Os demais continuam trabalhando. Eles guardam dinheiro porque sabem que tem que morar numa casa de idosos quando ficarem velhos. Todos têm que se preocupar com isso. Todos pagam. Ou aposentadoria, ou outra forma. Eles planejam tudo, são disciplinados. Tudo é calculado. Eles não podem ser irresponsáveis.

Não existe uma pressão por serem tão organizados?
Claro, mas eles não encaram como pressão. Eles sabem que tem que ser assim. O que acontece com os asiáticos que vem para o Brasil? Não querem voltar. Eles veem que aqui podem tirar vantagens em cima dos brasileiros porque são disciplinados e enxergam uma bagunça no Brasil. No país de origem a concorrência é mais forte, porque todos são organizados. Aqui são todos desorganizados, não tem concorrência, não tem disciplina. Aqui se dão melhor porque não vão perder tempo, não vão descansar. Por isso enriquecem. Eles se sobressaem em cima da bagunça brasileira. Você não vê asiático passando fome no Brasil, ou mendigo. Se sobressaem em qualquer país. Ficam ricos. Não tem pressão. Fazem porque querem fazer. Gostam da liberdade do Brasil, se querem ter uma diversão por aqui, também tem. Todos os que vem para cá não voltam para casa. Preferem o Brasil ao seu país.

* Maria Emerenciana Raia é jornalista e editora da revista Missões.