Teologia Índia em discussão no Panamá

Participando do VII Simpósio de Teologia Índia no Panamá, de 3 a 8 de outubro, padre Vilson Jochem concedeu entrevista exclusiva à Missões, falando sobre o trabalho com os povos indígenas e os desafios da missão.

de Maria Emerenciana Raia*

Padre Vilson Jochem, missionário da Consolata é brasileiro, natural de Santa Catarina e trabalha na Venezuela há 23 anos.

Padre Vilson, conte aos leitores da revista Missões sobre sua vocação...
Sou Vilson Jochem, nasci numa família de agricultores no município de Atalanta, interior do estado de Santa Catarina, no Alto Vale do Itajaí. Quando falo da vocação posso dizer como São Paulo, desde o ventre materno o Senhor me chamou; digo isto, porque depois de ter celebrado 10 anos de ordenação, minha mãe comentou que quando estava grávida de mim, nas suas orações pediu que se fosse filho homem, que se tornasse sacerdote. Fez o mesmo pedido na hora do batismo. E eu, quando na escola me perguntavam o que queria ser quando crescesse, a resposta normal era que seria sacerdote. Mas, foi a partir dos 13 para 14 anos que comecei a pensar de novo nesta possibilidade. Foi quando comecei a conversar com meus pais que eu queria ir para o Seminário.

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Por que escolheu a Congregação dos Missionários da Consolata?
Começar o caminho com a Consolata num primeiro momento pode parecer uma casualidade, porque tudo indicava que iria com os Franciscanos Menores, que eram os que atendiam a capela da qual eu fazia parte. Foi em 1986 que passou pelo Colégio onde eu estudava o padre Dante Possamai falando das Missões e perguntando se alguém queria ser missionário... Lembro bem quando disse pra minha mãe, “pra ser padre não importa onde”, e decidi escrever para o padre Dante... E assim comecei este caminho vocacional. Hoje entendo que isso de não importar onde não é bem assim, mas Deus sabe como faz as suas coisas.

E a sua formação, dentro da Congregação, onde foi realizada?
Entrei no Seminário Menor no ano de 1987 em Rio do Oeste, SC. No ano de 1990 comecei a faculdade de Filosofia. Em 1993, Noviciado em Bucaramanga, na Colômbia e no dia 9 de janeiro de 1994 fiz a primeira profissão religiosa. De 1994 a 1997, Teologia em Bogotá e até 1999, pós-graduação em Teologia, também em Bogotá. No dia 30 de outubro de 1999 fui ordenado sacerdote em Atalanta, minha terra natal, portanto estou completando 23 anos de sacerdócio esse ano. A minha primeira destinação foi para a Venezuela, onde me encontro até agora. Nos primeiros anos estive trabalhando na animação missionária e vocacional. O trabalho com os jovens foi uma bonita experiência e um grande aprendizado ao mesmo tempo. Estive neste trabalho até 2005. A partir de 2005 até 2018 trabalhei com os povos indígenas Warao no Estado Delta Amacuro. De 2018 a 2021 estive na administração, e em 2021 voltei ao trabalho com os indígenas Warao onde me encontro atualmente.

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Quais desafios nesses anos de trabalho, o senhor considera mais importantes? E as alegrias?
Os desafios encontrados nestes anos de vida missionária foram muitos, desde a animação missionária e vocacional posso dizer que o principal foi saber entender e caminhar ao ritmo dos jovens, vivenciando a sua própria realidade para poder acompanhá-los nos seus anseios e inquietudes. Mas, este mesmo caminho trouxe muitas alegrias, elemento especial do jovem. O fato de a gente saber ser próximo a eles conduz ao comprometimento deles também. Um elemento gratificante neste buscar dar resposta ao mundo juvenil foi a "Caminata Juvenil misionera" uma atividade que começamos no mês de outubro de 2003 para celebrar de uma maneira diferente o mês missionário, caminhando e refletindo sobre a realidade missionária da Igreja.
Quanto ao trabalho com o Povo Indígena Warao, ele já apresentou muito mais desafios. Entrar em outra cultura implicou aprender a ver a vida e o seu ritmo de forma muito diferente. Trouxe também a exigência de aprender outra forma de ver e analisar a vida e a fé. Implicou descobrir que nem sempre o que eu tinha como prioridade na verdade eram as prioridades deles. Foi o desafio de aprender outro ritmo, outra forma de viver e fazer as coisas. Um desafio prático foi aprender a viajar pelos rios no meio das águas e ter que, em algumas ocasiões, dizer como Pedro, "Socorro, Senhor, que vamos afundar". Mas com o passar do tempo foi uma experiência de muita riqueza e que me fez uma pessoa melhor. Tenho sempre presente algumas frases: “Padre tem que aprender a amar este povo, com os seus defeitos, para poder descobrir as suas muitas virtudes”. “Esperem 10 anos e vão começar a entender. Vocês são os nossos padres... Fruto de um caminho feito em conjunto, unidos às comunidades”. Dá alegria descobrir o carinho que as comunidades vão tendo pela gente, ver a disposição e animação que sentem com as nossas visitas e quando nos encontram.

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Uma das prioridades dos missionários da Consolata são os Povos Indígenas. Como o senhor analisa esse trabalho?
Um primeiro elemento é a presença, saber estar no meio dos povos originários; presença que exige permanência, não basta ir por alguns anos ou com o propósito de sair logo depois de um par de anos. Uma presença, seguindo a metodologia que os primeiros missionários utilizaram como nos apresenta a Conferência de Muranga: conhecendo a cultura, a língua, a cosmovisão de cada povo que acompanhamos; é necessário entrar no seu mundo, pois somos nós que vamos até eles para aprender a viver com eles, valorizando a riqueza do modo de vida e vida comunitária, um estilo de vida que tem muito para nos ensinar e para ensinar a nossa sociedade e para desde a sua própria cosmovisão, propor o Evangelho. Motivamos os povos indígenas que acompanhamos a que sejam eles os protagonistas da sua própria história, não só porque a vivem, mas também porque devem fazer a leitura da presença de Deus na sua própria história, passada e presente. Outro elemento indispensável é valorizar dentro da Igreja e na sociedade a sabedoria e o aporte dos povos originários para um mundo mais humano, capaz de respeitar a relação com os outros e com a natureza nesta harmonia com o entorno, a qual permite a continuidade da vida. Um grande pedido dos povos indígenas é que nas casas de formação também se trabalhe e estude a teologia índia, para que não seja apenas de conhecimentos de alguns, mas dos que poderão algum dia trabalhar com eles. Se faz cada vez mais necessário motivá-los a escrever a sua própria teologia, a aprofundar nela desde uma metodologia cada vez mais própria, desde a contemplação, vivência cotidiana e não necessariamente tanto desde a racionalidade ocidental. Uma teologia índia cristã, que o Conselho Episcopal Latino-Americano - CELAM busca acompanhar, por isso é tão importante motivar que sejam os indígenas que possam ir manifestando a leitura da presença de Cristo na sua caminhada de fé e de vida. A caminhada é longa, mas é dando um passo de cada vez que a gente vai adiante.

Por fim, os desafios de ser missionário hoje...
Ser missionário hoje traz como primeiro desafio abrir a mente e o coração para a cultura onde estamos inseridos. A princípio a gente pode pensar que isso não é nada novo e de fato não é, mas é um processo bastante árduo, pois exige abrir a mente para o novo, colocando em segundo lugar a própria cultura, maneira de pensar, para estar disposto a começar uma nova aprendizagem. A Igreja hoje nos pede para saber caminhar com as comunidades e povos, não como mestres, mas como companheiros, como irmãos. "Me fiz judeu com os judeus... grego com os gregos, escravo com os escravos... eu me fiz tudo como todos para ganhar alguns para Cristo”. (1Cor 9, 20-23)

*Maria Emerenciana Raia é editora da revista Missões.