90 anos de história em Moçambique

No dia 4 de julho de 2016, completaram-se 90 anos da chegada dos primeiros missionários da Consolata ao Niassa, Moçambique.

Por Diamantino Guapo Antunes

Os padres Pedro Calandri e José Amiotti, vindos da Beira, via Malawi, pisaram a localidade fronteiriça de Mandimba no dia 4 de julho de 1926. Eram os primeiros missionários católicos a chegar a esta terra para aqui se estabelecerem e darem início à primeira missão católica na atual Diocese de Lichinga.

Alguns meses antes, outro grupo de missionários da Consolata tinha fixado residência na Missão de São Pedro Claver de Miruro, no Zumbo, na atual Diocese de Tete.

Partindo dos documentos da época (cartas e relatórios), guardados no Arquivo do Instituto Missões Consolata, em Roma, descrevemos a viagem dos missionários até Mandimba e a viagem de exploração, feita juntamente com o Padre João Chiomio, pelo território do Niassa para conhecer a terra e as suas gentes e localizar os melhores lugares para a fundação de futuras missões.

Esta narração é ilustrada por fotografias da época, tiradas pelo Padre José Amiotti, cuja existência se desconhecia, e que recentemente foram descobertas.

Com elas iremos recordar a entrada dos Missionários da Consolata no Niassa. São os primeiros passos de uma presença evangelizadora com 90 anos de história ao serviço da Igreja local.

Niassa: Uma missão muito desejada pelos Missionários da Consolata
Remonta a 1920 o projeto, do Instituto Missões Consolata, de um território de missão em Moçambique, concretamente no Niassa. Já nas conversações com o Vaticano (Propaganda Fide) sobre os limites da Prefeitura de Iringa, no Tanganica (atual Tanzânia), o cônego José Allamano, fundador dos Missionários da Consolata exprimiu o desejo de que os limites da Prefeitura de Iringa, confiada ao Instituto da Consolata, chegassem até ao lago Niassa.

É evidente que o motivo que levou o Instituto da Consolata, em 1925, a enviar missionários para Moçambique, num momento que as missões confiadas ao Instituto em África careciam de pessoal, tem a ver com o fato se considerar este território como um importante campo de evangelização. Nas conversações com Dom Rafael de Assunção, Bispo de Moçambique, o Padre Luís Perlo, delegado para os contatos com a autoridade civil e religiosa em Moçambique evidenciou, perante a perplexidade do prelado, um interesse muito claro por este imenso território.

Ir para Tete para ficar próximo do Niassa
O Padre Pedro Calandri, missionário da Consolata pioneiro da evangelização Católica no Niassa, foi enviado do Quênia onde trabalhava, para Moçambique em outubro de 1925. Seguiu integrado no grupo de Missionários da Consolata chefiado pelo Padre Victor Sandrone, do qual faziam parte o Padre Júlio Peyrani e o Irmão José Benedetto.

Na cidade da Beira encontraram o outro grupo de Missionários da Consolata chefiado pelo Padre João Chiomio, do qual fazia parte o Padre Pedro Borello, o Padre Lourenço Sperta e o seminarista Segundo Ghiglia. A ordem dada aos dois grupos de missionários, pelo Bispo de Moçambique, fora tomar conta da Missão de São Pedro Claver de Miruro, no Zumbo (Tete). O Padre Chiomio deveria acompanhar a comitiva e regressar a Turim para informar o Superior Geral de tudo aquilo que tinha visto e anotado durante a viagem.

primeirogrupoemmocambiqueA direção Geral dos Missionários da Consolata tinha um outro plano que não tinha a concordância do Bispo: fixar-se em Tete, na região da Angónia, para depois estender a sua ação ao Niassa. O Padre Calandri, acompanhado pelo Irmão José Benedetto deveria deixar a restante comitiva no rio Zambeze, e prosseguir secretamente até à missão de Lifidzi, na Angónia, passando pelo Niassalândia (Malawi). Entretanto, o Superior Geral deveria combinar com o Bispo a entrega da Missão de Lifidzi, na Angónia, mais próxima do Niassa, aos Missionários da Consolata.

Regresso do Padre Pedro Calandri ao Quênia
Depois de quase dois meses de permanência na Beira, em casa dos Padres Franciscanos, quando se preparavam para iniciar a viagem para Tete, em direção à Missão de Miruro, o Padre Sperta adoece com uma forte artrite, ficando sem condições para viajar. Foi decidido que permanecesse na Beira para recuperar. O Padre Sandrone pediu ao Padre Calandri que acompanhasse o doente até ao seu restabelecimento completo. O grupo dos missionários da Consolata partiu então no dia 7 de Dezembro de 1925 em direcção à Missão de Miruro. Na Beira depois de um mês de permanência, sem que o Padre Sperta melhorasse, o Padre Calandri decidiu acompanhá-lo até ao Quênia onde o clima, sendo menos úmido, seria mais favorável. Permaneceu assim três meses no Quénia até poder finalmente regressar a Moçambique. Entretanto, trabalhou na plantação de Mkuyu, perto de Nairobi, onde construiu uma pequena barragem em cimento para o aprovisionamento da água. Dois meses depois foi enviado para Fort-Ternan, próximo do Lago Nyanza, onde ajudou nos trabalhos numa plantação de café.
Por fim, recebeu a ordem de regressar a Moçambique, desta vez acompanhado pelo Padre José Amiotti, também ele missionário da Consolata.

A entrada no Niassa sem a autorização do Bispo
Nem os contratempos nem a obstinação do Bispo, contrário à entrada no Niassa, impediram os Missionários da Consolata de realizar o projeto de trabalhar nesta região. Enquanto, o primeiro grupo de missionários da Consolata se dirigia para a Missão de Miruro, no dia 31 de Janeiro de 1926, os superiores da Consolata escrevem a Dom Rafael de Assunção a pedir autorização para enviar para Mandimba dos dois missionários que estavam na Beira: Padres Calandri e Sperta. Usaram como pretexto o fato de um italiano, Pedro Regina, haver chamado os missionários e colocado à sua disposição um terreno e casa para estabelecer a missão e a escola. Depois deste primeiro contacto, caso o bispo não colocasse obstáculos, os Padres Calandri e Sperta seriam enviados para o Niassa para fundar a primeira missão.

A oposição do Bispo, leva a direção dos Missionários da Consolata a usar a estratégia do fato consumado.
Primeiro parte o Padre João Chiomio da Missão de Miruru (Zumbo-Tete), no dia 16 de Maio de 1926, seguido pouco depois pelo Padre Pedro Calandri e o Padre José Amiotti, que receberam ordens expressas, de se deslocarem para Mandimba. Os três missionários da Consolata encontraram-se aí no início de de Julho de 1926.

Viagem do Padre João Chiomio da Missão de Miruro (Tete) para Mandimba (Niassa)
O Padre João Chiomio deixara a Missão de Miruro, no noroeste da província de Tete, iniciando uma longa viagem de exploração rumo ao Niassa. Atravessou o Niassalândia (Malawi) até chegar a Mandimba. A ida deste missionário, geógrafo e profundo conhecedor da realidade africana, na primeira expedição que parte para Moçambique tinha como objetivo principal a exploração de toda a região do Niassa e zonas limítrofes para a identificação de lugares propícios para a fundação de missões.
A viagem deveria passar despercebida. Atravessou de Oeste para a Este toda a província de Tete, percorrendo os distritos de Zumbo, Maravia, Chifundo, Macanga e Angónia. Eis as paragens de um longo itinerário: 17 Maio, Mbarama; 18 de Maio, Mpeto; 19 de Maio, Karendo; 20 de Maio, Inyakoroto; 21 de Maio, Nyamwenga, 22 de Maio, Mavuka; 23 de Maio, Ramborini; 24 de Maio, Kambawino; 25 de Maio, Mazanga; 26 de Maio, Kasegete; 27-28 de Maio, Kaingo; 29 de Maio, Kaianza; 30 de Maio, Mfunda; 31 de Maio, Chiwambora; 1 de Junho, Chikusse; 2-4 de Junho, Vila Vasco da Gama (Chiputo); 5 de Junho, Kasanta; 6 de Junho, Kabula; 7 de Junho, Chiwanga; 8 de Junho, Floresta (W. Mwazera); 9 de Junho, Mtambarika; 10 de Junho, Mseru´; 11 de Junh,: Floresta (E. Ruhuio-Macanga); 12 de Junho, Chinkuni; 14-16 de Junho, Dzare la Nyama; 17 de Junho, Kampsekeo; 18 de Junho, Koneko; 19 de Junho, Ngami; 20 de Junho, Mtengo Modzi; 21-29 de Junho, Lifidzi. Chegou à Missão de Lifidzi, na Angónia, no dia 21 de Junho onde permaneceu até ao dia 29 de Junho. Prosseguiu depois viagem: 30 de Junho, Leka (fronteira com a Niassalândia); 1 de Julho, Jwembo; 2 de Julho, Kampiengo; 3 de Julho, Semu; 4-5 de Julho, Fort Johston (onde toma conhecimento que nesse mesmo dia passara em direcção a Mandimba o Padre Calandri e o Padre Amiotti); 6 de Julh,: Yellasi; 7 de Julho, Namwera.

Chega a Mandimba a 7 de Julho, às 3.00 da tarde, com uma passada regular de 80 centímetros, percorrendo 4 quilómetros à hora. Tinha cumprido, da Missão de Miruro a Mandimba, uma distância de 700 quilómetros durante uma longa caminhada de 50 dias. Com o seu estilo investigativo e curioso, o Padre Chiomio recolheu muitas informações sobre os lugares por onde passava e as populações que encontrava. Teve contactos com muitos chefes de posto e com quase todos os funcionários públicos das regiões que percorreu.

Partida para Moçambique do Padre Pedro Calandri acompanhado pelo Padre José Amiotti

partidaparamocambiqueCerca de três meses depois do seu regresso ao Quênia, no dia 21 de Maio de 1926, o Padre Calandri recebe a ordem para voltar a Moçambique. Com o Padre Sperta ainda em convalescença, irá acompanhado pelo Padre José Amiotti, missionário no Quénia (desde 9 de Novembro de 1925). As ordens são para se dirigirem diretamente para o Niassa: “Regressa a Moçambique, mas não vás para Lifidzi”. No dia 13 de Junho os Padres Calandri e Amiotti deixam o Quênia rumo a Moçambique com a seguinte ordem dada pelos superiores “Chegando à Beira, não comentem com ninguém a vossa ida para o Niassa, fazendo crer que seguem para a Missão de Miruro (Tete). Chegando ao rio Zambeze, não prossigam de barco para Tete, mas alegando que receberam um telegrama que vos modificou o itinerário, prossigam para norte de comboio até Blantyre (Nyassaland-Malawi), de onde continuarão em seguida até Mandimba, no Niassa Português. Atenção; entre vós e os missionários da Consolata que estão na Missão de Miruro, não deve existir nenhuma comunicação para não se levantarem suspeitas e assim não dar a entender que sois do mesmo grupo”.

Deveriam constituir um grupo independente do grupo de Tete e dar diretamente aos superiores o relatório do trabalho realizado. O Padre Calandri levava consigo um mapa de Moçambique onde Dom Filipe Perlo, superior geral, tinha assinalado o lugar das missões que deveriam ser fundadas: Metangula, Mandimba, Milange, Namuli.

O Padre Calandri e o Padre Amiotti desembarcam na Beira no dia 22 de Junho. Na Beira os dois missionários procuravam disfarçar os movimentos e comunicavam em piemontês para não serem percebidos. Oficialmente iam para Tete, o Padre Calandri para a Missão de Miruro e o Padre Amiotti, para Tete, onde já estava o Padre Peyrani.

Viagem da Beira para Mandimba

Segundo as instruções recebidas, os Padres Calandri e Amiotti partiram no dia 1 de Julho da Beira para Blantyre. Viajaram de comboio até Murraça, na margem direita do rio Zambezi, onde chegaram à noite.

viagemdabeiraDepois da travessia do rio Zambezi, continuam de amanhã a viagem de comboio de Chindio em direcção a Blantyre, passando por Port Herald, Chiromo, Limbe e Blantyre, onde chegam à noite. Em Blantyre hospedam-se na casa dos Padres Monfortinos, os quais encorajaram os Missionários da Consolata a abrirem missões no Niassa, porque segundo eles, dava pena ver aquela extensa região sem presença da Igreja Católica só pelo facto de o Bispo de Moçambique se mostrar contrário à presença de missionários estrangeiros, chegando ao ponto de negar a jurisdição espiritual aos missionários Monfortinos do Vicariado do Shire de modo a assistir os poucos católicos existentes na zona de Milange e no sul do Niassa. Manifestaram a disponibilidade em prestar qualquer tipo de apoio e aconselharam os missionários da Consolata a abrir uma casa-procura em Limbe-Blantyre. No dia seguinte, dia 4 de Julho, os Padres Calandri e Amiotti prosseguiram de automóvel até Mandimba, passando Zomba e por Fort-Johnston (atual Mangochi).

Chegada dos primeiros missionários da Consolata ao Niassa:
O Padre Calandri e o Padre Amiotti chegam a Mandimba no dia 4 de Julho, era Sábado. São muito bem acolhidos pelos funcionários portugueses da Companhia do Niassa. Encontram em Mandimba os seguintes funcionários da administração Companhia do Niassa: o coronel Costa Campos, inspetor da zona Oeste da Companhia do Niassa; José Maria de Lima Lemos, chefe do Concelho (espécie de distrito) de Metónia, com sede em Mandimba e Hermógenes Chaves, secretário do Concelho.

Hospedam-se na casa do administrador de Mandimba, Lima Lemos. No Domingo celebram a Missa na sua casa, com a assistência de todo o pessoal europeu de Mandimba e alguns católicos do Niassalândia.

Nesse dia, chega um mensageiro informando que o Padre Chiomio se encontra em Fort Johntson. Após quatro dias, na quarta-feira da semana seguinte, chegou o Padre Chiomio. Passado o suspirado e feliz encontro em Mandimba, os três missionários da Consolata, sob a guia de Padre Chiomio, programam uma viagem de exploração pela “terra prometida” de modo a conhecerem Metangula e Maúa, dois possíveis lugares para a abertura de missões, segundo o programa traçado pelos superiores.

O território era administrado pela Companhia do Niassa e fora apenas definitivamente ocupado, do ponto de vista militar, em 1912. A maior oposição surgiu dos Ayao, de forte influência árabe por causa das antigas comunicações comerciais e religiosas com o litoral.

A região que encontraram

População do Niassa
A população do Niassa rondava então os 165.000 habitantes (densidade de 1,7 habitantes por km2). São várias as tribos que aí se encontram: os Anyanja, ao longo a costa do Lago Nyassa; os Angoni e Amatengo, ao longo das margens do Rovuma; os Ayao na região Rovuma-Lugenda-Lago; os Macuas, a sul do Lugenda.

As zonas mais povoadas são os concelhos de Metangula, Mtonya e Malokontera (Cuamba). Mtarika, nas margens do Lugenda, é pouco povoada com apenas 30.000 habitantes (densidade 0,5 habitantes por km2) numa superfície que ultrapassa metade do território, havendo nos outros Concelhos maior densidade populacional (3,4 habitantes por km2).

Antes do início da I Guerra Mundial (1914-1918) havia um bom grupo de colonos fixados na zona de Metangula e Malokontera que se dedicava sobretudo ao cultivo do algodão e tabaco. Em seguida, por causa da guerra entre alemães e portugueses, as concessões próximas de Metangula e Malokontera foram quase todas abandonadas e as casas ruíram. Em 1926 havia em Malakontera (Cuamba) 5 colonos e dois negócios de propriedade de indianos. O administrador era o capitão João de Faria que aí habitava com a sua mulher.

Administração

mandimbaO território do Niassa fazia parte da zona de Inspeção do Oeste da Companhia do Niassa, com o Inspetor de Zona residente em Mandimba (Coronel Antônio Costa Campos). Anteriormente residia em Metangula, mas devido às dificuldades de comunicação transferiu-se para Mandimba.
O Inspetor era coadjuvado pelos administradores de Concelho, pelos chefes de Posto e por outro pessoal subordinado. A zona de inspecção do Oeste estava dividida, em 3 circunscrições ou Concelhos: O Concelho do Lago, com sede em Metangula, e com os postos administrativos de Metónia, Cobué, Mitomóni, Unango, Lipuche e Mandimba; o Concelho de Amaramba, sede em Cuamba (Malakontera), com os postos administrativos de Lago Amaramba, Angurus, Matias, Mecanhelas, Maúa, Luleio; o Concelho de Metarica, sede em Metarica (antigo Forte D. Luís Filipe): M’luluca, Maziúa, Naaguar, Undi, Metamira, Catur, Luatize.

Existia um médico em Mandimba, doutor Cerdeira, coadjuvado por um enfermeiro em cada Concelho. A sede da zona oeste tinha também um destacamento de infantaria indígena, para a tutela da ordem pública.

A população é concentrada em pequenas aldeias de 100 e 300 famílias com o seu chefe ou régulo reconhecido pelo Governo.

A legislação em vigor era a portuguesa adaptada e aplicada pelo Alto Comissário da província de Moçambique e publicada no “Boletim Oficial da Província de Moçambique”. A justiça e a defesa militar não são da responsabilidade da Companhia do Niassa, mas do Governo português.

Comunicações: estradas e correio
As estradas transitáveis apenas no período seco (Julho a Dezembro) uniam Mandimba com o norte, a Mtonya, Unango, Metangula e a sul a Malakotera-Cuamba, Mekanyelas, Luleio, Maúa, Nungo. Para as comunicações externas: o correio fazia-se apenas através de Fort Johnston, no Niassalândia. Uma vez por semana o serviço do correio da administração envia a correspondência de Mandimba para Fort Johnston.

A localidade de Mandimba constituía um cruzamento de vias do território: a via do Niassalândia: de Mandimba estrada transitável até Blantyre, passando por Namwera (260 km) ou por Chikala (190 km); a via para o litoral de Moçambique, de Mandimba passando por Malakotera-Cuamba, Malema e prosseguindo por Namialo, ultima estação ferroviária de Moçambique (520 km), até à Ilha de Moçambique.

Presença Cristã no Niassa
A presença cristã no Niassa reduzia-se em 1926 praticamente às missões anglicanas da University Mission to Central Africa (U.M.C.A.), com sede na ilha de Likoma, e que constituíam a Diocese do Nyassalândia. Funcionavam as seguintes missões anglicanas: Cobué (com 19 escolas-capelas), Ngoo Bay (com 13 escolas-capelas), Msumba (com 46 escolas-capelas), Mtonya (com 12 escolas-capelas), Unangu (com 12 escolas-capelas).

A presença católica era nula até então. No final do séc. XIX, Dom Antônio Barroso, Bispo de Moçambique, no relatório da Prelazia, depois de ter feito referência à tentativa de fundação da Missão de Tumbini-Milange (fundada pelos Jesuítas em 1895-1896), propôs a fundação de uma Missão católica próxima do monte Namuli. Referiu também a necessidade de fundar uma Missão na margem oriental do lago Niassa. Mas nada se veio a concretizar.

Viagem de conhecimento da zona norte do Niassa:
No dia 12 de julho, depois de alguns dias de repouso, o Padre Chiomio, acompanhado pelos Padres Calandri e Amiotti, partem de Mandimba em direção ao norte até Metangula numa viagem de reconhecimento do Niassa e de estudo dos lugares escolhidos para a fundação de missões. Em Metangula, nas margens do lago Niassa, Dom Filipe Perlo, superior geral dos Missionários da Consolata, tinha fixado o lugar para uma missão. Agora tratava-se de conhecer os outros lugares assinalados. Além do Niassa, estava programada a visita à Zambézia e Nampula.

No dia 12 de Julho, o Padre Calandri, o Padre Amiotti e o Padre Chiomio partem para Metónia. Demoraram 5 dias para percorrer a distância entre Mandimba e Metônia. No fim do primeiro dia de viagem acamparam na aldeia de Chipire, próxima da fronteira com o Niassalândia. Deixamos o testemunho escrito pelo Padre José Amiotti: Preparadas as bagagens com tudo o necessário para um mês de viagem a pé, partimos. O Padre Calandri e eu íamos à frente com o objectivo de conhecer do ponto de vista missionário e artístico a região. O Padre Chiomio com o seu bastão na mão direita, o caderno de apontamentos na esquerda, o barômetro no bolso, e a bússola no peito, seguia a caravana para a exploração científica, com um passo imutável, com paragens muito curtas medidas cronometricamente, anotando cada curva da estrada com os azimutes e contra azimutes (medida de direção horizontal. A caravana andava diariamente uma média de 25-30 quilômetros, aproveitando as poucas populações existentes no caminho situadas a uma distância quase regular.

No segundo dia de viagem, 13 de Julho, pernoitaram em Matamanda, uma povoação com um bom número de habitantes. No terceiro de dia de viagem, 14 de Julho, passam ao lado de uma bela montanha chamada Massangulo, onde em 1928 foi edificada a primeira missão católica do Niassa, e prosseguem para Chitambe, uma aldeia composta por 300 famílias e com uma grande mesquita, e uma escola da Igreja Anglicana da missão de Metônia. No dia 16 de Julho pernoitam na aldeia de Mapaliso.

No dia 17 de Julho chegam a Metónia, distante 115 km de Mandimba, onde visitaram a missão anglicana não tendo encontrado o Padre Acch Eire, ausente, por se ter deslocado à ilha de Likoma para o sínodo anglicano. A viagem continua para norte, pernoitando nas seguintes povoações: Chipande, Che-Undu, Che Mlami, Che Matumbi, Che Lijaua.

lagoniassaNo dia 22 de Julho chegam a Metangula, sede do Concelho, na margem do lago Niassa. Antes do início da Iª Guerra Mundial Metangula era um discreto centro agrícola e comercial. Naquele tempo encontrava-se em estado de abandono. As casas comerciais tinham fechado as suas agências e os agricultores desistiram de cultivar. As residências estavam abandonadas e nos campos crescia o mato.

Em Metangula permaneceram alguns dias. Regressaram passando por Unango. Pernoitam nas aldeias do Che Matanhola, Che Mcolomo, Che Jauola. Depois de quatro dias de viagem, no dia 30 de Julho, chegam a Unango, posto dependente de Metangula, situado num planalto com uma boa posição. Missão Anglicana de Unango (1926), lugar muito povoado e salubre entre o rio Ludi e Lechilingo onde existia uma missão anglicana fundada em 1885. Depois de um breve repouso continuaram a viagem para sul passando por Mapuibo, posto administrativo, Catur e em seguida chegaram a Mandimba. Era previsto viajar para sul, em direcção a Maúa, todavia por razões de tempo, foi necessário seguir diretamente para Mandimba. Assim de Unango partem em linha recta para Catur, encontrado uma zona entre Ludimose e Lechilingo, muito fértil, com muita população e muita água. Pernoitam nas aldeias de Chiumburu, Che Sungo, Che Mlima, próximo do posto de Litunde, Mapembe. No dia 8 de Agosto deixam Catur e dirigem-se em direção a Mandimba, pernoitando em Zeca, Luceta e Che Lemo. No dia 12 de Agosto reentraram em Mandimba.

Atente-se no testemunho do Padre Calandri, sobre esta viagem ao norte do Niassa: De Mandimba, dirigindo-nos para o Norte, passamos por Metônia, chegamos a Metangula nas margens do Lago Niassa, onde Dom Filipe Perlo tinha marcado o lugar para uma missão. De Metangula, dirigimo-nos para Este, visitámos Unango, passando por Litunde e Muembe, descemos depois para o Sul, passando por Maquibo, antigo Posto Administrativo, e chegámos a Mandimba. … Caminhava-se durante todo o dia.

Nas populações onde chegávamos, comprávamos amendoins para comer durante a viagem. Dormia-se na floresta, porque o padre Chiomio não queria apanhar doenças infecciosas. Padre Chiomio é que nos acordava bem cedo, gritando da sua tenda: “Rapazes, está na hora, levantai-vos”. E tínhamos que nos levantar, mesmo se sentíamos os ossos partidos. Padre Chiomio era sempre o último, atrás de nós, com os homens, equipado com o seu “pedômetro”. Pedia informações aos guias que nos acompanhavam sobre tudo aquilo que via. Perguntava-lhes milhares de vezes em língua ciyao “cici?” (esta coisa o que é?) e “lina ci?” (qual é o nome) e apontava o nome no seu caderno de apontamentos.

Viagem de conhecimento da zona sul do Niassa
Tendo visitado o norte, os missionários deveriam continuar o trabalho de conhecimento da zona sul do Niassa. Dirigiram-se para sul através da estrada de Maracotera (Cuamba) contornando o lago Amaramba e Shirua, até Mkampela, de onde deveriam prosseguir para Milange.

O Padre Chiomio parte de Mandimba em direção ao Lurio acompanhado pelo Padre Calandri e pelo Padre Amiotti no dia 20 de agosto. A resistência e experiência dos dois missionários mais jovens não eram comparáveis às do experiente Padre Chiomio. O primeiro dia de viagem foi óptimo, tendo acampado na povoação do Che Budu. No segundo dia Padre Amiotti começou a sentir-se mal mas a caravana não parou, tendo pernoitado em Nhacachevere. O terceiro dia de viagem foi uma longa etapa de 50 km percorrendo uma planície despovoada e privada de água. Os Padres Amiotti e Calandri não conseguiam já acompanhar o ritmo do passo do Padre Chiomio, por isso decidiu-se que ele continuaria a sua viagem explorativa até à Zambezia, de onde prosseguiria para a Ilha de Moçambique, via Nampula.

acampamentoEis o testemunho do Padre Amiotti: Sentado na sua tenda, com o livro dos logaritmos na mão, o Padre Chiomio pensava e calculava, mas os seus cálculos não davam certo. Se continuássemos assim, ele não conseguiria chegar a tempo à Ilha de Moçambique para embarcar no barco que o levaria ao Quénia.

Reunimo-nos e decidimos que a ciência se deveria separar do bom senso e o Padre Chiomio continuaria sozinho na sua viagem enquanto nós regressaríamos a Mandimba para aí esperarmos novas ordens e prepararmo-nos para a estação das chuvas que estava quase a bater à porta.

O Padre Calandri e o Padre Amiotti regressariam a Mandimba depois de terem permanecido, para recuperar as forças, alguns dias acampados nas margens do rio Namatanda. Chegaram a Mandimba no dia 4 de Setembro.

Eis o testemunho do Padre Calandri:
Visitado o Norte, visitamos em seguida o Sul, seguindo a antiga estrada de Maracotera (Cuamba), contornando o Lago Amaramba e Shirwa, até Mkampela, de onde prosseguimos a viagem por Milange, acompanhando o Padre Chiomio, até à zona limite da nossa possível área de apostolado. Todavia, adoecendo o Padre Amiotti, tivemos que nos separar do Padre Chiomio, para não atrasar a viagem dele, pois deveria chegar ao litoral no dia previsto, pois tinha apenas 12 dias para chegar à Ilha de Moçambique e daí embarcar num barco de passagem para Nairobi. Depois de alguns dias de acampamento na planície do Lago Amaramba, para dar tempo a que o Padre Amiotti se restabelecesse, regressamos a Mandimba.

Viagem do Padre Chiomio na Zambézia e Nampula
A caminho da Zambézia, rumo ao litoral, o Padre Chiomio visitou Malacotera-Cuamba, no dia 25 de Agosto, dali virou em direcção a Mepanhira, via Karonga, onde chegou no dia 1 de Setembro. Entrou na Zambézia, via Molumbo, seguindo depois para Milange, onde chegou no dia 5 de Setembro. Segue para Limbwe, Takwane (Vila Esperança), Mobede até perto de Mocuba. Depois começa a dirigir-se para o norte da Zambézia passando por Namarroi e chega ao Gurué, no dia 21 de Setembro, à região do monte Namuli. Daqui prossegue para Malema, onde chega no dia 26 Setembro e de Malema prossegue para Ribaué. A 30 de Setembro chega a Nampula (na altura um pequeno povoado), depois Meconta, Namialo (última estação ferroviária), Lumbo, Ilha de Moçambique, onde chega no dia 3 de Outubro de 1926.
Terminava a longa viagem de Padre Chiomio por Moçambique, pelas províncias de Sofala, Tete, Niassa, Zambézia e Nampula. A viagem, feita a maior parte das vezes a pé, durou quase 1 ano (começou na Beira no dia 20 de Outubro de 1925 e conclui-se na Ilha de Moçambique em 3 de Outubro de 1926). Durante a sua permanência em Moçambique percorreu 3.000 km, apenas acompanhado por um grupo de carregadores. Viagem de Moçambique para o Quénia: embarca no Nyassa (vapor da linha alemã D.O.A.L) e chega a Mombasa, no Quênia, no dia 12 de Outubro.

Relatório preparado pelo Padre Chiomio

mapamocambiqueNo barco, em viagem para o Quênia, o Padre Chiomio reorganiza os seus apontamentos e envia para o Superior Geral dos Missionários da Consolata um longo relatório, com mapas, sobre as zonas visitadas. Manifesta-se optimista em relação ao desenvolvimento da presença do Instituto da Consolata no Niassa e noutras zonas.

Apresenta as localidades e lugares mais propícios para a fundação de missões no Niassa (Metangula, Mandimba, Maúa), na Zambézia, em Milange e Namarroi, e em Nampula, em Malema.

Metangula
Metangula encontra-se em estado de certo abandono por causa das dificuldades de comunicação e transporte. Porém, existe muita população na área e existe possibilidade de um futuro desenvolvimento na zona. Os missionários escolheram um terreno de 100 hectares não distante da sede administrativa, a cerca de 80 metros do lago Niassa. Este terreno tinha sido propriedade de um austríaco L. Boardman a quem tinha sido concedido em 1908.

Mandimba
Em Mandimba havia a possibilidade de obter 500 a 800 hectares próximo do rio Mandimba. A estrada é transitável até Blantyre no período seco via Chikala, e via Fort Johnston. É considerado um lugar demasiado periférico para ter um grande desenvolvimento comercial.

Maúa
Zona povoada até Nungu e na estrada que conduz a Porto Amélia. O lugar onde está situado o Boma (posto administrativo) não reúne as condições para uma missão. Porém um pouco mais a sul em direcção a Hamela a zona é ideal.

Milange
Não concedem a estrangeiros terrenos a menos de 10 km da fronteira, enquanto que o lugar ideal para uma Missão se encontra na proximidade de um cruzamento de estradas a 5 km da fronteira na parte este do monte Tumbini. A zona é fértil e muito povoada.

Namarroi
A Missão poderia instalar-se a 2 horas de distância da residência do fiscal de Nyamarroe. Entre o rio Mulamosi e os montes Napari e Marupa. O terreno óptimo.

Malema
O administrador de Malema, Sr. António de Freitas Ferraz, veio buscar o Padre Chiomio a Milange e levou até Malema mostrando-lhe um lugar, distante 35 km da administração de Malema em direção a Malakotera-Cuamba. Insistiu na necessidade de fundar ali uma Missão, com escola de modo a impedir a infiltração muçulmana e protestante (Scotch Mission of Mihekani, situada em Nawela, na Zambézia). A zona é muito fértil, povoada e estratégica: Ribawe (100 km), Nampula (200 km), Meconta (300 km) e Mandimba (300 km). No cruzamento da estrada com o rio Nataleia vive um manchambeiro português, Sr. Guedes, que cultiva algodão e tabaco.

Conclusão
Termina a narração do primeiro contato dos Missionários da Consolata com o Niassa. É o início da preparação do terreno onde gerações de missionários (Padres, Irmãos, Irmãs e catequistas) lançarão a semente do Evangelho e farão crescer a Igreja local.

Diamantino Guapo Antunes, imc, é Superior Regional em Moçambique.