Abra a porta para acolher quem precisa: Entrevista com o Padre James Bhola Lengarin

Em entrevista o recém-eleito Superior Geral dos Missionários da Consolata, Padre James Bhola Lengarin, do Quênia, revelou os pontos-chave de sua notável trajetória, desde suas origens como pastor nômade até sua consagração missionária.

Padre James Bhola Lengarin, originário do Quênia, foi eleito em 12 de junho deste ano como o novo Superior Geral da Congregação. Essa escolha inédita marca a primeira vez que um sacerdote africano assume a liderança do Instituto, fundado em 1901 pelo Beato Giuseppe Allamano.

Nesta entrevista, o padre James compartilha conosco um vislumbre de sua notável trajetória como Missionário da Consolata até o presente momento.

Você poderia nos contar brevemente sua história?

Nasci em 15 de abril de 1971 em Maralal, no Quênia. Sou filho de Lapus Leaburia e Naiduri Leaburia. Infelizmente, nunca conheci meu pai, pois ele foi morto por um elefante alguns meses antes de eu nascer. Cresci como um menino pastor nômade da minha tribo Samburu. Costumava cuidar das ovelhas, vacas e camelos da minha família. Cresci junto com outras crianças da aldeia e adorava convidar as pessoas para virem comer em nossa casa. No dia em que ninguém vinha, eu perguntava: "Por que hoje ninguém veio comer conosco?". Essa memória ficou comigo como uma semente de acolhimento, compartilhamento, solidariedade e abertura para aqueles que não têm o que comer. Entrei na comunidade dos Missionários da Consolata em 1990.

Por que escolheu a vida religiosa e missionária?

Decidi ser missionário da Consolata porque tinha um forte desejo de deixar meu povo, minha cultura e minha nação para testemunhar a Palavra de Jesus Cristo a outros povos. Meu desejo de ajudar e acompanhar aqueles que precisam sempre me impeliu a ir além de mim mesmo e a abrir espaço para os outros. Os missionários da minha paróquia sugeriram que eu permanecesse na diocese, mas eu estava determinado a deixar meu país.

Você se lembra de algum episódio significativo de sua vida missionária?

Dois episódios me marcaram profundamente. Quando concluí meu treinamento em Roma, pedi ao meu orientador um período de 40 dias de retiro na Certosa di Pesio. Ele me disse: "Acho que você não precisa dessa experiência!". No entanto, eu estava determinado a realizar esse retiro antes da minha ordenação. Durante esses dias de silêncio absoluto, imerso na Palavra de Deus, algo significativo aconteceu na capela de adoração. Uma voz suave e clara me disse: "Torne-se um fogo que acenda outros fogos". Essa frase sempre esteve comigo desde então, mas eu nunca a compartilhei com ninguém até 12 de junho, quando fui eleito Superior Geral, e novamente a frase ecoou em minha mente.

O segundo episódio ocorreu quando eu era pároco em Nairóbi e visitei a favela "Deep Sea". Naquela área, cerca de dez mil pessoas viviam em condições precárias; as crianças não iam à escola, e os pais trabalhavam o dia todo para voltar exaustos à noite. Chorei ao ver essa disparidade e decidi tomar medidas. No domingo seguinte, após celebrar quatro missas, compartilhei minha experiência com a congregação e pedi apoio para as famílias de "Mar Profundo". Um homem se levantou e disse: "Padre James, vamos fazer isso agora".

Você é o primeiro superior geral de origem africana na Consolata. Como chegou a liderar o Instituto?

Fiquei surpreso quando meus colegas missionários me elegeram, pois tinha outros planos para minha vida missionária. Queria trabalhar com nativos americanos, algo que sempre esteve em meu coração. Fiquei em silêncio por alguns minutos, com lágrimas nos olhos, enquanto todos esperavam. Foi um momento difícil, mas entre soluços, respondi: "Sim, com a ajuda de Deus e dos confrades".

Na verdade, nem me ocorreu que eu era africano. Isso só me veio à mente depois, quando ouvi outros comentando que eu era o primeiro africano em 122 anos e o décimo sucessor do fundador. O que me deu confiança foi o fato de que, nos seis anos anteriores como vice-geral, conheci muitos confrades, visitei todos os países onde trabalhamos e compreendi as diversas culturas entre as quais vivemos nossa missão. Isso me encorajou e, ao mesmo tempo, me assustou um pouco.

Como você interpreta os 122 anos de história do Instituto?

Muitas coisas mudaram. Como o Papa Francisco frequentemente nos lembra, estamos em uma "mudança de época". Para nós, as maiores mudanças ocorreram no mundo em que vivemos. A ciência, tecnologia, comunicação rápida, economia e finanças transformaram profundamente o mundo. Os paradigmas da missão e a forma como a missão é realizada mudaram na Igreja e no Instituto. Estamos enfrentando uma crise de identidade, pertencimento, gerenciamento do tempo e do espaço. O que significa ser um missionário "ad gentes" para os não-cristãos e viver longe de casa por toda a vida? Quem são os verdadeiros destinatários da missão "ad gentes"? Nós, Missionários da Consolata, também passamos por mudanças: dos 905 missionários, 518 são africanos, 249 são europeus, 131 são americanos e 7 são asiáticos.

Quais você considera serem os desafios da missão hoje?

Uma Igreja em constante mudança ainda precisa se preocupar com o número de batizados, praticantes, sacramentos e compromisso com a missão. No entanto, há outros aspectos a considerar: a Igreja, como Corpo de Cristo, deve estar sempre pronta para responder às mudanças que os sinais dos tempos nos apresentam.

Em 1962, o Papa João XXIII abriu as portas e janelas da Igreja ao convocar o Concílio Vaticano II, com o objetivo de "atualizar" a vida da Igreja. Ainda hoje, precisamos viver o espírito desse Concílio para enfrentar os desafios do nosso tempo. Por exemplo, muitos sacerdotes estão envelhecendo, e as novas vocações para o ministério ordenado estão diminuindo, especialmente no Ocidente. Precisamos considerar as implicações dessa diminuição e também enfrentar seriamente o abuso sexual de menores.

Quais são seus sonhos para a Igreja e o Instituto?

Continuo sonhando com um futuro cheio de esperança, construindo-o em colaboração com todos os membros da Igreja, dentro e fora dela. Meu primeiro sonho é baseado na convicção de que a Igreja de Deus sempre existirá, embora talvez não seja composta por grandes multidões. Visualizo uma Igreja descentralizada, voltada para as periferias do mundo, mais inclusiva em sua governança e ativamente envolvida com os leigos no cuidado pastoral.

John Allen, em seu livro "The Future Church" (2009), afirma que o catolicismo do futuro será significativamente diferente. A Igreja futura não será ocidental, nem predominantemente branca ou rica. Ela se oporá à guerra e ao capitalismo de livre mercado. Será mais sensível e evangélica em relação a questões culturais, identidade e pluralismo religioso.

Nos seminários de hoje, precisamos de uma formação revitalizada e de equipes compostas por homens e mulheres que acompanhem os seminaristas como uma família.

Para meu instituto religioso, sonho com uma comunidade, como desejava nosso fundador, o Beato Giuseppe Allamano. Uma comunidade de pessoas consagradas à missão "ad gentes" e dispostas a viver suas vidas nas periferias; missionários que cultivam a comunhão fraterna e têm Maria como modelo e guia.

O Papa Francisco propõe o caminho sinodal e o envolvimento dos leigos na pastoral. Como o Instituto promove essa abordagem sinodal? O Papa Francisco nos convida a reconhecer mais a autoridade das conferências episcopais nacionais e regionais, incentivando uma Igreja que não seja apenas hierárquica, mas sinodal, onde todos têm responsabilidades e caminham juntos.

Nós, religiosos, já vivemos essa abordagem em nossa vida diária: todos os missionários estão envolvidos nas decisões relacionadas à nossa vida e planejamos nossas atividades em conjunto a cada ano. No entanto, ainda temos espaço para melhorias na promoção da participação dos leigos e de todo o povo de Deus em nosso caminho.

* Entrevista publicada na revista "Fátima Missionária," da Congregação dos Missionários da Consolata em Portugal, com adaptações por Revista Missões.