Experiência missionária na Amazônia

Missionário congolês da Consolata relata experiência de cinco anos entre os povos indígenas de Roraima.

Por Jean Tuluba Mwanokunza*

Nasci em Wamba, uma pequena cidade no nordeste da República Democrática do Congo, no dia 7 de setembro de 1982, numa família católica de oito irmãos: quatro homens e quatro mulheres, dos quais sou o primeiro dos homens e segundo filho da família. Desde sempre eu tinha sonho de ser padre um dia, mas sem saber se seria diocesano ou religioso.

Foi neste intuito que após concluir o ensino médio, ingressei no Instituto Missões Consolata no ano de 2002 pela ajuda e acompanhamento dos missionários da Consolata que trabalhavam na minha paróquia.

Após concluir a minha formação de padre, fui ordenado padre missionário da Consolata na minha paróquia natal (Catedral São José, Wamba-Congo) no dia 27 de janeiro de 2013. Meses antes da ordenação sacerdotal, fui contatado pelo então Superior Geral, padre Stefano Camerlengo, que estava reunido em Conselho Geral em Roma, para saber se eu aceitava vir trabalhar como missionário no Brasil. Após algum tempo de reflexão, eu disse: “Sim. Aceito ir para o Brasil”. E depois ele continuou: “Você vai trabalhar não somente no Brasil, mas você vai trabalhar com os povos indígenas em Roraima”. E eu respondi: “Se lá vivem pessoas e tem missionários da Consolata, eu vou. Vou contribuir com a atividade missionária dos nossos missionários que lá atuam”.

Na verdade, eu nunca pensei em vir trabalhar no Brasil; meu desejo era de ficar e viver a missão num país da África.

SEMINARISTAAMAZONIA1Chegando ao Brasil, fui destinado para trabalhar com os povos indígenas da Raposa Serra do Sol, na Região do Baixo Cotingo, Missão Camará, no nordeste do Estado de Roraima. A grande parte do povo dessa região é Makuxi. No princípio, não tive muita dificuldade de adaptação porque já falava o português em Moçambique, mas tinha que aprender a comer muita carne com farinha, a dormir pela primeira vez na rede e caindo algumas vezes antes de pegar bem o jeito. Uma pequena dificuldade de início foi o clima (faz muito calor em Roraima, talvez mais do que no meu Congo natal). Fui pouco a pouco me inserindo na realidade local do povo, participando de muitos encontros de formação sobre a realidade amazônica, a própria história do Brasil e da luta dos povos indígenas no Brasil e em Roraima. Esses encontros de formação e tantos outros que participei me ajudaram bastante a ter os pés no chão e saber em que solo estou pisando.

Pouco a pouco fui percebendo que o compromisso com a causa indígena no Brasil, e sobretudo em Roraima, não era nada fácil. Entendendo a caminhada histórica dos povos indígenas em Roraima, o meu compromisso para com esses povos foi crescendo cada vez mais. Era difícil para mim tomar conhecimento da luta indígena no Brasil e ficar sem ser tocado. Uma história dolorida que me obrigava a fazer parte dela, também como alguém que vem de um continente (África) de um povo com histórico parecido com o deles.

Os 70 anos dos Missionários da Consolata na Amazônia, que celebramos este ano, foram de compromisso de uma evangelização libertadora que buscou e busca ainda hoje a promoção e a dignidade dos povos originários do Brasil nesta parte norte do país. Uma evangelização integral que toca todos os aspectos da vida dessas comunidades com seus povos, nas diversas áreas de educação, autoafirmação de seus direitos como cidadãos brasileiros, autodeterminação na sua caminhada como povo livre e de direitos à sua terra.

Tudo isso respeitando os seus aspectos culturais predominantes porque acreditamos que Deus continua ainda hoje se encarnando em cada cultura humana para transformá-la de dentro. A nossa atividade missionária no meio dos povos indígenas se inspira das palavras do Mestre: “Eu vim para que todos tenham vida, e a tenham em abundância” (Jo 10,10). Esse evangelho de vida passa pela convivência junto do povo, participando dos seus momentos mais significativos como tempo de formação, encontros comunitários, festas comunitárias, assembleias regionais e estaduais, mobilizações de reivindicações sobre seus direitos a uma educação e saúde de qualidade, igualdade de chances na implementação das políticas públicas do Estado brasileiro, demarcações de terras ainda pendentes e respeito para com esses povos.

Os meus cinco anos de missão na Amazônia foram de muito aprendizado, já que a realidade indígena em si exige bastante tempo para ser bem entendida. Foi uma experiência desafiadora para mim, ter que viver sozinho no meio desse povo no imenso lavrado da Raposa Serra do Sol assumindo a responsabilidade de muitas comunidades (45 no total). As longas viagens feitas para visitar as comunidades, os tantos encontros de formação e assembleias, as fadigas, as panes e atoleiros do carro na estrada, as incompreensões, as cobras encontradas... ficarão para sempre gravados no meu coração. Acredito que essa minha primeira experiência missionária valeu a pena ser vivida. Aprendi com os makuxi que para viver feliz não precisa ter muita coisa; que se pode viver sem tecnologia moderna (sem telefone, sem luz, sem internet); que na vida a gente tem que lutar dia e noite para não ser engolido pelos ventos contrários da vida diária. Uma outra grande lição aprendida é a da vida comunitária desse povo: tudo é feito em comum, com o lema: “Povo unido, jamais será vencido” e ainda “A luta continua, unidos venceremos...!” Saio de Roraima transformado e enriquecido por essa experiência: aprendi o jeito diferente de ser Igreja no meio do povo na América Latina e na Amazônia, aprendi a relativizar o meu conceito de valores que achava absolutos, e entendi o que é verdadeiramente ser missionário e viver sua vocação missionária com amor e autenticidade na pura simplicidade ordinária junto com o povo. A missão é abrir-se ao outro, ao diferente, carregar sobre si a dor, as dúvidas e as esperanças do outro e caminhar juntos rumo ao bem-viver. Acredito firmemente que a experiência missionária vivida em Roraima me servirá de base fundamental para o resto de minha vida missionária na Igreja. Deixo a Amazônia com um sentimento de uma missão bem vivida junto do povo makuxi de Roraima.

Minha imensa gratidão à Família Missionária da Consolata por me proporcionar essa tão rica experiência e à Região IMC Amazônia pela missão vivida juntos. A luta pela vida plena, baseada no Evangelho de Jesus, não pode parar. Ela tem que continuar enquanto houver as forças contrárias a vida do nosso povo. A luta continua! Unidos venceremos! A missão também continua!

Jean Tuluba Mwanokunza, imc, foi indicado para nova abertura missionária na Ilha de Madagascar.