No dia 10 de junho de 1943 o padre João De Marchi chegava a Portugal para iniciar a presença dos missionários da Consolata em Fátima.
Por Diamantino Antunes
As aparições de Nossa Senhora de Fátima tiveram lugar na Cova da Iria, no ano de 1917, com três crianças entre os sete e os dez anos de idade, Lúcia, Francisco e Jacinta, como protagonistas. No dia 13 de maio de 1917, foram testemunhas da aparição da Senhora “mais brilhante que o sol”. Convidou-as a regressar àquele lugar no dia 13 dos meses seguintes, até outubro. Ao longo destes encontros, comunicou-lhes uma mensagem de misericórdia e paz.
O povo começou desde muito cedo a reunir-se na Cova da Iria para rezar e em 1919 construiu uma capelinha, como havia pedido Nossa Senhora. Com os anos o culto e as práticas de piedade aumentam naquele lugar. Fátima se impõe à Igreja e não a Igreja que impõe Fátima. Finalmente, em 1930, o bispo de Leiria, na Carta Pastoral “A Providência Divina” sobre o culto de Nossa Senhora de Fátima, declarou como dignas de crédito as visões das três crianças e permitiu oficialmente o culto de Nossa Senhora do Rosário de Fátima.
O culto a Nossa Senhora de Fátima alargou-se a pouco e pouco e alcançou o reconhecimento da Santa Sé. Em 31 de outubro de 1942, o papa Pio XII consagrou o mundo ao Coração Imaculado de Maria, por ocasião do 25º aniversário das aparições. O papa Paulo VI visitou em 13 de maio de 1967, por ocasião do cinquentenário das aparições, o Santuário de Fátima. O papa João Paulo II, além da sua profunda devoção pessoal a Nossa Senhora de Fátima, visitou o Santuário em três ocasiões: em maio de 1982, para agradecer a sobrevivência ao atentado sofrido no ano anterior; em maio de 1991, no décimo aniversário do atentado, para agradecer as surpreendentes mudanças no Leste Europeu; em 13 de maio de 2000, para beatificar Jacinta e Francisco e dar a conhecer a terceira parte do segredo de Fátima. O Papa Bento XVI, visitou o Santuário em Maio de 2010. Hoje, foi a vez do papa Francisco para celebração do centenário das aparições.
Moçambique-Consolata-Fátima: uma ligação afetiva e efetiva desde as origens
Passavam apenas oito anos das aparições de Nossa Senhora em Fátima quando os primeiros Missionários da Consolata chegaram a Moçambique. Não temos registros da recepção do acontecimento das aparições e da mensagem de Fátima entre os Missionários da Consolata em Moçambique e das comunidades cristãs de que eram pastores.
Sem dúvida que a mensagem de Fátima tornou-se familiar entre nós sobretudo a partir de 1946, quando os missionários e missionárias da Consolata destinados a Moçambique tinham passagem obrigatória por Fátima, antes de embarcarem para Moçambique, para o estudo da língua portuguesa.
O que é mais facilmente datado é o interesse dos missionários da Consolata de Moçambique por uma presença da Consolata em Portugal, a qual se concretizou em Fátima. De fato, a presença dos missionários da Consolata em Portugal, mais concretamente em Fátima, está ligada à ação evangelizadora dos mesmos em Moçambique. Já no dia 4 de dezembro de 1925, alguns dias depois do desembarque do primeiro grupo de missionários da Consolata em Moçambique, o Padre João Chiomio, escrevendo ao Vice-Superior Geral, Mons. Filipe Perlo, sugeria a ida de missionários da Consolata para Portugal, para uma melhor aprendizagem da língua e superação de alguns obstáculos burocráticos.
Em 23 de dezembro de 1926, de visita à Casa Madre de Turim, Dom Rafael de Assunção, Prelado de Moçambique, no colóquio que teve com Mons. Filipe Perlo, manifestou a conveniência dos Missionários da Consolata de abrirem uma casa em Portugal.
Seria o Acordo Missionário, em maio de 1940, estipulado entre a Santa Sé e o Governo português, a abrir o caminho para a fixação dos missionários da Consolata em Portugal. A Santa Sé convidou o Instituto a fundar aqui uma casa apostólica de recrutamento e de formação. Tal casa deveria servir também para a permanência temporária dos missionários destinados a Moçambique e, no futuro, ao acolhimento e formação de seminaristas moçambicanos.
No dia 10 de junho de 1943 o padre João De Marchi chegava a Portugal para iniciar a nossa presença em Fátima. Fomos a primeira congregação religiosa a instalar-se próximo do santuário desta terra que hoje é considerada “altar do mundo”. O padre De Marchi, durante os primeiros meses passados em Fátima, entre junho e outubro de 1943, não podendo abrir de imediato o seminário da Consolata, dedicou-se com afinco ao estudo do português e escreveu em dezembro de 1944 um romance missionário, o Titiri, uma história ambientada na missão de Massangulo, onde trabalhavam os missionários da Consolata.
Atraído pela mensagem de Fátima, o padre De Marchi dedicou-se ao seu estudo, contando pessoalmente com os familiares dos três videntes de Fátima para redigir muitas notas, recolher material de primeira mão, através de longos diálogos com a irmã Lúcia, com os pais de Jacinta e Francisco e outros familiares dos pastorinhos e testemunhas. Em 1945 publica o livro Era uma Senhora mais Brilhante que o Sol, aquela que é uma das obras de referência sobre Fátima. Um trabalho de trezentas páginas que se transformaria num “best-seller”, traduzido em diversas línguas. O padre De Marchi, a partir de Fátima e nos Estados Unidos, foi um grande difusor da mensagem de Fátima internacionalmente.
A capela mais antiga dedicada pelos Missionários da Consolata a Nossa Senhora de Fátima foi construída nos anos 50 em Niharipa, na Missão de Santa Teresinha do Menino Jesus de Mepanhira, no Niassa. Por ocasião do Cinquentenário das Aparições de Fátima, os Missionários da Consolata fundaram duas missões em Moçambique a quem deram como padroeira Nossa Senhora de Fátima: Mecanhelas, na Diocese de Lichinga, cuja igreja é santuário mariano, e Vilankulo, na Diocese de Inhambane.
No dia 5 de novembro de 1960 a Direção Geral do Instituto criou a Região dos Missionários da Consolata de Moçambique e confiou-a à proteção de Nossa Senhora de Fátima. Nossa Senhora de Fátima desde então é padroeira da Região de Moçambique.
O dom e o convite da mensagem de Fátima
As aparições de Fátima são um acontecimento marcante na Igreja Católica, não apenas pela importância que assumiram para inúmeras pessoas e pela sua extensa divulgação no mundo, mas também pela sua íntima ligação à mensagem evangélica, pela profundidade com que marcam a vivência da fé de muitos dos católicos e pelo alcance profético dos seus apelos. A Igreja confirmou que elas apresentam uma proposta credível e válida de concretização da vida cristã.
Com efeito, a mensagem de Fátima é eloquente para os crentes de todos os tempos; não ficou presa a uma época passada mas projeta um dinamismo para o nosso presente e abre horizontes de fé para o futuro da história humana. Uma vez que os acontecimentos de Fátima são um apelo à humanidade do nosso tempo, também a celebração do primeiro centenário procura ser mais um instrumento deste apelo atual. Não se trata, portanto, de assinalar simplesmente uma efeméride histórica, cujas repercussões se reduzem a um momento do passado.
A peregrinação do papa Bento XVI à Cova da Iria, em maio de 2010, na sequência dos seus predecessores, mostra-nos, de algum modo, que na mensagem de Fátima há um conjunto de elementos que a podem tornar veículo de evangelização, caminho para a conversão e para o encontro com Jesus Cristo. Neste sentido, também esta celebração que estamos vivendo deverá ser uma contribuição qualificada para aprofundar e atualizar esta mensagem; poderá constituir um impulso na renovação e fortalecimento da fé, apresentar-se-á como um auxílio para o crescimento espiritual do povo de Deus.
Por isso, a celebração deste centenário é, antes de mais e sobretudo, um projeto pastoral, que privilegia o cariz espiritual e de reflexão da fé.
A pedagogia evangelizadora da espiritualidade de Fátima nos inspira a sermos missionários da Consolação no Moçambique e Angola de hoje.
Inseridos e empenhados na Igreja em Moçambique e Angola, neste ano jubilar das Aparições, convido cada um a abordar o lugar de Maria e da mensagem de Fátima no nosso trabalho pastoral paroquial.
Plenamente conscientes da importância que Maria tem na nossa caminhada cristã, devemos aprofundar o seu legado deixado aos pastorinhos e testemunhar que ela continua a ser fator de conversão.
Num contexto nacional e internacional dramático de guerra, crise política, religiosa e social profunda, as aparições de Nossa Senhora em Fátima surgiram como sinal de esperança e bênção para a Igreja e para o mundo.
Ainda hoje esta Mensagem mobiliza multidões e continua profundamente atual. Assim, na nossa atividade evangelizadora como Missionários da Consolata somos convidados a:
– Vermos a mão de Deus, presente no aqui e agora da História da Humanidade, guia providente, Pai bondoso e compassivo;
– Fazermos a experiência dos dons da graça, misericórdia e paz, através da vivência da adoração, conversão e reparação;
– Sentirmo-nos verdadeiramente colaboradores na construção de um mundo de paz, pela penitência e pela oração;
– Comprometermo-nos numa atitude profética com o mundo face a todas as situações de injustiça e de exclusão;
– Incrementarmos a devoção a Maria com caráter teocêntrico e mistagógico.
Fiéis ao carisma de Fátima e à nossa espiritualidade, somos interpelados a aprofundar o significado deste acontecimento e a fazer dele lugar do encontro que há de ser, também, lugar de epifania onde todos se reúnem num só coração e numa só alma num renovado Pentecostes.