Homem de Deus, da Igreja e dos pobres

Neste ano de 2018 as missionárias e os missionários da Consolata do mundo inteiro têm como inspirador de sua caminhada pós-capitular, o Bem-aventurado Oscar Romero.

Por Gianfranco Graziola
Oscar_Romero

Bem-aventurado Oscar Romero. © Gadmer, Bethlehem Mission Immensee

Podemos nos perguntar: por que escolher o arcebispo de San Salvador como modelo na missão? Nossa resposta começa conhecendo um pouco mais de perto Oscar Arnulfo Romero, nascido em 15 de agosto de 1917 em El Salvador, segundo de sete irmãos. Desde pequeno, Romero tem um carinho muito grande para com o Imaculado Coração de Maria que alimenta com a oração noturna diária. Em 1930, aos 13 anos ingressa no seminário de San Miguel. Sete anos mais tarde, em 1937, passa ao Seminário São José de San Salvador e, no mesmo ano é enviado a Roma onde reside no Pontifício Colégio Pio Latino, sendo aluno da Pontifícia Universidade Gregoriana.

Ordenado padre em Roma aos 24 anos, em 4 de abril de 1942, retorna em 1943 a El Salvador, onde é recebido com entusiasmo pelo povo, que muito o estimava. Foi pároco de Anamorós e, depois, de Nossa Senhora da Paz e, ao mesmo tempo, secretário do bispo diocesano. Após 25 anos de pastoreio no meio do povo, em 1968, é nomeado secretário da Conferência Episcopal Latino-americana, acompanhando todo o processo da Conferência de Medellín e sua opção pelos pobres.

Nomeado bispo auxiliar de San Salvador em 21 de abril de 1970, é ordenado em 21 de junho. O dia 15 de outubro de 1974 marca a sua transferência a bispo diocesano de Santiago de Maria, vivendo ali anos mais felizes. Sua alegria dura pouco, pois em 3 de fevereiro de 1977, o papa Paulo VI o chama a ser arcebispo de San Salvador, começando seu pastoreio em 22 de fevereiro. Sua nomeação é recebida com certo ceticismo pelo clero, que o tinha como bispo conservador, totalmente “espiritualizado” e completamente “dedicado aos estudos”, premissas e melhor garantia de um abrandamento do compromisso com os pobres que a arquidiocese estava desenvolvendo com o seu predecessor. O clero em geral supôs que haveria um afastamento de todo o empenho social e político e que a sua ação pastoral se tornaria ascética, desencarnada, desinteressada dos acontecimentos políticos da época.

É notório que dom Oscar não é muito simpatizante das concretizações do Concílio Vaticano II saídas de Medellín em 1968. Como entender então a reviravolta da sua vida até o ponto de gerar o ódio das milícias que o assassinaram na tarde de 24 de março de 1980 enquanto celebrava a eucaristia?

Padre Rutilio

Deus fala através de sinais concretos e de acontecimentos: o assassinato do padre Rutilio Grande, um jesuíta que tinha deixado o ensino universitário para ir ao encontro dos camponeses numa pequena vila, Aguilares, vivendo num quartinho com uma cama, uma mesa de cabeceira, um pequeno candeeiro e uma Bíblia, a quem Romero estava ligado por uma profunda amizade. No dia 12 de março de 1977, ele velou toda a noite diante do corpo do amigo e dos dois agricultores mortos juntamente com ele numa emboscada. Naquelas horas experimentou muita comoção vendo o padre morto e os muitos camponeses que enchiam a igrejinha. É esta comoção perante a gente simples que tinha ficado órfã do seu “pai”, que entende, por inspiração divina, ter chegado a hora dele, arcebispo, assumir aquele lugar, ainda que a custo da própria vida.

Romero sente - escreve-o várias vezes - uma inspiração divina a ser corajoso, a assumir uma atitude de fortaleza, enquanto no país, marcado pela injustiça social, aumentava a violência de todo tipo: da oligarquia contra os camponeses, dos militares contra a Igreja que defendia os pobres e da guerrilha revolucionária.

E a realidade em que vive é cruel: depois de dois anos de arcebispado em San Salvador, Romero conta 30 padres perdidos, entre mortos, expulsos ou chamados para fugir da morte. Dezenas e dezenas de catequistas das comunidades de base são assassinados pelos esquadrões da morte e muitos fiéis dessas comunidades desaparecem.

É o contexto histórico que faz entender ao piedoso bispo primaz que sua verdadeira espiritualidade é assumir o sangue, a dor, a violência contra a população mais pobre, denunciando suas causas na sua carismática pregação dominical, seguida pela rádio por toda a nação. Podemos dizer que foi uma "conversão pastoral", com a assunção por parte de Romero de uma fortaleza indispensável na crise em que se encontrava o país. Fez-se defensor civitatis, segundo a tradição dos antigos Padres da Igreja, defende o clero perseguido, protege os pobres, afirma os direitos humanos.

Aqui está a resposta à nossa pergunta inicial: Oscar Romero, homem de fé, discípulo fervoroso, até então expressão de um modelo de Igreja e de missão de conservação, confrontado pela realidade concreta, "ouve o grito do seu povo, e com ele se coloca a caminho para libertá-lo" (Ex 3, 7). Ele torna-se modelo da Igreja em saída hoje proposta pelo papa Francisco.

Romero compreende cada vez mais claramente que para ser o pastor de todos devia começar pelos pobres. Colocar os pobres no centro das preocupações pastorais da Igreja, e, portanto também de todos os cristãos, inclusive os ricos, era a via nova da pastoral.

E por que não nos deixar fascinar por Oscar para dar também o passo decisivo nesta mudança de época para revitalizar nossa missão e nossas atividades tendo os pobres, sua dor e seus sonhos como centro e protagonistas?

Bem-aventurado Oscar Romero, intercedei por nós!

Gianfranco Graziola, imc, é vice-coordenador nacional da Pastoral Carcerária.